Título: No vôo para Seul, Lula diz que não teme CPI
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2005, Nacional, p. A4

Em uma iniciativa para demonstrar sua "tranqüilidade" diante da provável abertura da CPI dos Correios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou durante o vôo que o levou a Seul, na Coréia, que "não tem medo" dessa hipótese e que seu governo "não se sente acuado" pela decisão tomada pela oposição e por membros da base aliada no Congresso. Segundo deputados que integram a comitiva presidencial, Lula teria concordado, porém, em mudar o tratamento dado aos governistas que aceitarem aderir ao pedido da CPI. Conforme esses parlamentares, Lula teria admitido que "não dá mais para tratar a pão-de-ló", esses aliados.

As declarações foram feitas durante café da manhã com os deputados Beto Albuquerque (PSB-RS), João Caldas (PL-AL) e Hidekazu Takayama (PMDB-PR), que participam da comitiva presidencial no roteiro pela Coréia e o Japão. De acordo com o relato de Albuquerque, o presidente fora provocado por Caldas sobre a reação do governo à eventual formalização da abertura da CPI. Lula teria mantido a fleuma e respondido de forma calma. Mas deixou escapar sua queixa sobre a dificuldade do Palácio do Planalto manter base aliada sólida no Congresso, especialmente depois das eleições municipais de 2004 e com a antecipação da corrida presidencial de 2006. Para o presidente, alguns parlamentares deveriam passar pela experiência de atuar no Poder Executivo, para perceberem como se dão os processos administrativos e decisórios, e não se deixarem levar pelos "contos da oposição".

Em eco às máximas do presidente Lula, Albuquerque defendeu que o governo deverá reagir ofensivamente e estará preparado para uma "guerra", se assim a oposição desejar. O deputado também reforçou a possibilidade de o Palácio do Planalto resgatar a proposta da CPI da Privatização, como forma de questionar o processo conduzido pela administração FHC e de atingir até a maior empresa privada da América Latina, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A hipótese havia sido mencionada na última semana por José Dirceu. Mas a suposta cooptação da base pela oposição, nesse caso, aparentemente foi a situação que mais incomoda o Planalto.

"Que o PSDB aja como menino, é até compreensivo. O que não se pode entender é a atitude de alguns membros da base aliada, que se deixaram convencer pelo discurso fácil da oposição", afirmou Albuquerque. "Se for aprovada, a CPI será delimitador de espaço e vai implicar mudanças nas estruturas do governo. Há gente que adula o governo e quer cargos, mas que vota com a oposição", completou, em indicação de que o Palácio do Planalto tenderá a diferenciar individualmente e beneficiar somente os seus reais aliados.

Na conversa com os deputados, Lula deixou claro ainda que pedira a cinco de seus ministros que permanecessem em Brasília, em esforço para convencer os parlamentares de suas bases partidárias que haviam assinado o pedido de abertura da CPI a recuarem. Os petistas José Dirceu, da Casa Civil, e Paulo Bernardo, do Planejamento, e seus colegas Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia, do PSB), Eunício Oliveira (Comunicações, do PMDB), Walfrido Mares Guia (Turismo, do PTB) atenderam ao chamado e cancelaram seus compromissos nos dois países orientais, vinculados aos objetivos do próprio governo de atrair investimentos em infra-estrutura, de impulsionar o turismo e de promover acordos de cooperação.

Nas mesmas conversas, o presidente ainda teria reforçado sua avaliação e que a Polícia Federal teria todas as condições de conduzir com imparcialidade as investigações sobre o esquema de corrupção em licitações da Empresa de Correios e telégrafos (ECT), sem a necessidade de o caso tornar-se alvo de uma CPI. Para ele, a PF desmantelou várias quadrilhas na administração federal em sua gestão, fato que gabaritaria a instituição a cumprir essa tarefa. Lula também lembrou o papel do Ministério Público em seu governo de não engavetar inquéritos delicados para seu governo, como teria feito na gestão de seu antecessor.

Entretanto, o presidente teria feito uma espécie de mea-culpa, ao reconhecer o erro do PT ao ter permitido o lançamento de dois candidatos para a presidência da Câmara dos Deputados - o que levou ao rompimento da tradição da eleição do nome apresentado pelo partido com a maior bancada e à sua derrota para Severino Cavalcanti (PP-PE). As declarações de Lula aos deputados, entretanto, não foram repetidas na conversa com os governadores Lúcio Alcântara (PSDB-CE) e Germano Rigotto (PMDB-RS). Ambos afirmaram que o presidente não tocou na possível abertura da CPI dos Correios e preferiu abordar sua "idéia geral" sobre a reeleição. Segundo Rigotto, Lula sustentou que dois aspectos devem considerados pelos candidatos ao segundo mandato em 2006: primeiro, não se pode fazer acordos espúrios para alcançar esse objetivo; segundo, estar ciente que não poderá fazer menos no segundo mandato que no primeiro. "Senão, não vale à pena", teria arrematado.