Título: Técnica criada por médico brasileiro cura arritmias graves
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2005, Vida&, p. A16

Um eletrodo finíssimo, de 2 milímetros de diâmetro, é introduzido numa das veias da perna direita para chegar ao coração. A técnica e a precisão podem nem impressionar aos médicos, se comparada à parafernália usada em cardiopatias, mas é capaz de um feito inédito, o de curar arritmias graves de grande incidência na população, sem remédios nem marca-passos. Uma boa notícia: a técnica é brasileira e recebeu neste mês o aval internacional no Congresso Heart Rhythm Society 2005 (Congresso da Sociedade de Ritmo Cardíaco), em New Orleans, EUA, um dos mais importantes na área. O método premiado, desenvolvido por cardiologistas do Serviço de Arritmias do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, tem o nome de cardioneuroablação. A palavra intricada traduz, na verdade, um procedimento simples, que é o de cauterizar parte das ramificações de um nervo (o nervo vago) que causa um tipo de parada cardíaca. Trata-se de uma arritmia chamada pelos médicos de síncope vaso-vagal. "Cerca de 70% já tiveram ou vão ter pelo menos uma vez essa arritmia", conta o cardiologista José Carlos Pachón Mateos, chefe do Serviço de Arritmia do HCor e responsável pela invenção. A maior incidência é entre os que têm de 15 a 45 anos.

SINAIS ELÉTRICOS

A técnica consiste na introdução de um eletrodo pela veia femoral da perna direita, que segue até o coração. Ao se aproximar dele, um gerador de radiofreqüência manda pelo eletrodo sinais elétricos, que queimam parte das ramificações (de 30% a 60%) do nervo vago, o responsável pela arritmia vago-vagal (ver quadro ao lado).

A função do nervo vago é levar informações do cérebro ao coração. Uma delas é reduzir o trabalho do coração quando há sinal de perigo para o organismo, como stress ou ferimentos. Ele entende que a redução dos batimentos cardíacos diminui a pressão arterial. Ou, então, em caso de ferimentos, reduz a intensidade de hemorragias, já que passa a bombear menos sangue nessa condição.

Só que em algumas pessoas essa redução significa uma rápida parada cardíaca. Dependendo da duração, pode-se ter um rápido mal-estar ou até um desmaio. "Bastam 10 segundos com o coração parado para a pessoa desmaiar. Acima de 3 minutos, já causa danos irreversíveis ao cérebro."

Os sintomas da doença são mal-estar, tontura, escurecimento da visão e rápidos desmaios. Os casos passam a ser considerados graves a partir do momento em que o paciente tem desmaios. O diagnóstico é feito pela avaliação clínica e por um exame chamado Tilt Test (ou teste da mesa inclinada), em que o paciente é amarrado em uma mesa basculante que permite avaliá-lo em várias inclinações, enquanto se registram a pressão arterial e o ritmo cardíaco.

Outro avanço da técnica brasileira é ter criado um método para localizar as terminações do nervo vago na parte interna das paredes cardíacas, por meio de mapeamento computadorizado. Quando o nervo chega ao coração, ele se espalha em grande quantidade de ramificações invisíveis a olho nu, como se abraçasse o órgão.

A mesma equipe do HCor construiu um aparelho que identifica exatamente os pontos de penetração das ramificações do nervo vago por meio da análise espectral dos sinais elétricos do músculo cardíaco. Em função do comprimento das ondas enviadas pelos batimentos cardíacos, os médicos descobrem onde estão as ramificações do nervo. Antes da técnica, só era possível localizar os pontos com exames feitos depois da morte do paciente.

FIBRILAÇÃO

A fibrilação atrial é outra arritmia cardíaca comum - cerca de 2 milhões de pessoas sofrem dela -, também causada pelo excesso de ramificação do nervo vago. Ela pode ser curada com o método do HCor. Ao contrário da fibrilação ventricular, que matou no ano passado o jogador Serginho, do São Caetano, ela não é fatal porque atinge um pedaço do coração "menos importante" para o funcionamento do órgão. Os átrios são uma espécie de reservatório do sangue no coração. Já o ventrículo é a parte motora do órgão.

Até agora, 120 pacientes já passaram pela operação. "Estatisticamente, ultrapassar o número cem é um marco", calcula Pachón. A cirurgia tem duração de quatro horas. A anestesia é geral e o tempo de internação, de dois dias.

O engenheiro Álvaro Jose de Souza Carneiro, de 35 anos, foi operado no ano passado. "Às vezes, via tudo escurecido quando levantava de repente, mas não dava bola pra isso", lembra ele. "Até que, um dia, desmaiei quando ia para meu quarto e me assustei. Na semana seguinte, fiz um check-up, que não acusou nada. Mesmo assim, marquei consulta com cardiologista e neurologista. No primeiro, fiz o Tilt Test e logo fui operado." Dois meses depois, Álvaro estava liberado até para fazer ginástica.