Título: Choveu dois meses em 17 horas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2005, Metrópole, p. C1

Dois meses de chuva despencaram sobre a cidade em 17 horas. Foram 140,4 milímetros de água, na maior chuva em 16 anos e meio, o suficiente para quebrar a resistência da nova calha do Tietê - que transbordou pela primeira vez em três anos - e encher o Rio Pinheiros. A enxurrada encobriu marcos da capital, como a Ceagesp e o Campo de Marte. São Paulo submergiu. Ontem à noite, a chuva voltou, moderada, nas zonas sul e norte e no centro. O caos começou na noite de terça-feira, com a força de um temporal, enchendo ruas de várias regiões e deixando ilhados paulistanos que voltavam para casa. Ninguém esperava que o dilúvio se estendesse por toda a madrugada, espalhando cenas de motoristas em cima dos carros, veículos parados ou boiando, à deriva. Havia quase 120 pontos de alagamento, um recorde dos seis anos de operação do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE). No Tietê, o primeiro transbordamento correu às 23 horas, na altura da Ponte Atílio Fontana. Segundo institutos de meteorologia, a Prefeitura foi avisada antecipadamente sobre a força das chuvas.

Na Vila Sônia e no Morumbi, motoristas parados por causa dos alagamentos foram vítimas de dois arrastões. A chuva fez o serviço de escolta de presos para os fóruns ser cancelado. Na Avenida Santos Dumont, zona norte, uma ambulância teve pane por causa da água. O motorista de uma carreta, vinda do Rio, não conseguiu escapar da força da enxurrada na Marginal do Tietê, sob a Ponte das Bandeiras. Ficou no teto do caminhão, esperando a solidariedade de desconhecidos. No Ipiranga, uma pessoa desapareceu.

Depois da madrugada turbulenta, um amanhecer estranhamente silencioso. Os carros não andavam. Nem os ônibus e os trens. Os paulistanos não chegavam a lugar nenhum. Poucos conseguiam chegar à cidade, porque parte dos acessos estava impedida - estradas, aeroportos e terminais de ônibus. Mas foi só a chuva amainar para todos saírem de casa.

Às 8h30, a lentidão chegou a 119 quilômetros na capital, com diversos trechos isolados pelas enchentes. O rodízio foi suspenso, numa tentativa de ajudar quem não podia contar com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) - três linhas foram suspensas, porque os trilhos estavam submersos - ou com os ônibus, parados dentro de terminais circundados por água. O metrô funcionou com velocidade reduzida e pelo menos 150 vôos atrasaram em Congonhas.

No interior e no litoral paulista, houve seis mortes, distribuídas entre Guarujá, Capivari, Mairinque, Ibiúna e Mairiporã. Em Indaiatuba, os meteorologistas registraram um tornado. Em 14 municípios, as chuvas deixaram 30 feridos e 95 desabrigados. Os ventos no interior chegaram a 120 km/h.

Poucas vezes uma chuva foi tão forte e atingiu tantas áreas da região metropolitana ao mesmo tempo. Ainda mais no outono. Desde que as medições foram iniciadas, em 1943, o recorde de chuva foi de 151,8 milímetros, medido em 21 de dezembro de 1988, início do verão e do período mais chuvoso do ano. O segundo maior índice foi registrado agora.

Por que as chuvas foram tão fortes? Os meteorologistas apontam uma mistura de alta umidade, variação de temperatura e frente fria vinda do Paraná. Mas por que os estragos e o caos na cidade foram tão grandes? Especialistas falam em impermeabilização do solo, do despreparo da capital, do atraso nas obras de aprofundamento da calha do Tietê.

O prefeito José Serra (PSDB) garante que nada havia para ser feito diante de um "minitsunami". Nesse ponto, diverge do amigo e partidário Geraldo Alckmin. O governador cogitou a instalação de bombas para puxar a água sob as pontes das Marginais.