Título: Filha de Prestes doa indenização
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2005, Nacional, p. A11

"Aprendi com meu pai: é uma vergonha receber dinheiro do governo", disse a professora Anita Leocádia Prestes, filha do histórico líder comunista Luiz Carlos Prestes, ao explicar por que doou a uma instituição de pesquisa do câncer a indenização que recebeu da Comissão de Anistia da Presidência da República. Os R$ 100 mil que ela recebeu sem ter pedido foram doados à Fundação Ary Frauzino para Pesquisa e Controle do Câncer, do Rio de Janeiro, na quinta-feira passada. Anita Leocádia, hoje professora "concursada" - como faz questão de frisar - de História do Brasil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pediu à Comissão de Anistia que lhe fosse permitido incluir, na contagem do tempo de serviço para efeito de aposentadoria, o período em que esteve em fuga da ditadura e no exílio, depois de condenada, no Brasil, a 4 anos e meio de prisão. Em agosto passado, além de conceder a contagem de tempo, a Comissão de Anistia destinou-lhe uma indenização de R$ 100 mil.

INJUSTIÇAS

"Eu não queria receber. Não fui presa, não fui torturada. Meu pai nunca quis voltar ao Exército, nunca pediu a pensão a que tinha direito. Por que receber?", perguntou. Para ela, os critérios fixados na Lei da Anistia provocam injustiças. "Pessoas que perderam o emprego, mas refizeram a vida, em alguns casos, muito bem, ganham pensão. Mas gente que foi torturada, viúvas de desaparecidos, que não têm condição de trabalhar, não recebem uma pensão", critica ela.

Por achar que seria aético ter um emprego e receber dinheiro do governo, Anita Leocádia procurou uma instituição séria e, quinta-feira passada, tomou um ônibus em Botafogo e foi ao Centro entregar o cheque ao cirurgião Marcos Moraes, que dirige a instituição. Ela apela a pessoas de posse que repitam o seu gesto: "A luta contra o câncer precisa de ajuda", reclama.

Como boa comunista até hoje, se queixa da situação social do País, que está "muito difícil". Como solução, Anita Leocádia receita o socialismo que seu pai defendeu a vida inteira. Em 2002 votou em Lula, mas confessa que foi por falta de opção. Observa que as pessoas estão decepcionadas com Lula e o governo do PT. "Eu não estou porque, pelo que conhecia antes de Lula e do PT, não esperava que fossem muito adiante", define.

O espectro comunista ronda suas opções pessoais e ela rejeita ter um carro, embora até possa comprá-lo. Prefere se deslocar no Rio de Janeiro, onde mora, de ônibus ou metrô e ainda anuncia um ganho: sente mais segurança do que se estivesse ao volante. Aos 68 anos, acha "a coisa mais normal do mundo" uma professora universitária usar ônibus, como se fosse uma operária.

"Não sou rica, sou apenas uma professora universitária, embora saiba que estou muito melhor do que a imensa maioria do povo", conforma-se. Ela diz que ficou muito feliz com a decisão da Comissão de Anistia porque, se não contasse o tempo das perseguições, a sua aposentadoria ficaria reduzida à metade.

Está, também, feliz de viver no Rio, que conheceu em 1945, vinda do México com seu pai, quando ouviu falar na palavra "anistia" pela primeira vez. Depois da intermitência das fugas, voltou ao Brasil em 1979 e escolheu o Rio para viver. "O Rio de 1945 era bem diferente do Rio de 1979 que, por sua vez, também é muito diferente do Rio de hoje. Mas eu me sinto bem aqui."