Título: Militar pede na TV saída do presidente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2005, Internacional, p. A13

A crise boliviana chega aos quartéis. Após vários dias de protestos que isolam e paralisam La Paz, o tenente-coronel do Exército Julio Herrera pediu ontem numa emissora de TV a renúncia do presidente Carlos Mesa e anunciou um movimento que reivindica o poder para os militares. Ao lado de Herrera estavam o também tenente-coronel Julio César Galindo e outros dois militares. "Isto não é um golpe militar", disse Herrera. "É uma proclamação, que o povo está pedindo aos gritos, com a voz na garganta, para que nós oficiais jovens nos encarreguemos do governo deste país, apresentando soluções corretas para toda a sociedade." "Queremos a renúncia do presidente da república, uma vez que na Bolívia ocorre algo muito singular: no palácio não temos presidente e a Bolívia não tem governo", acrescentou o militar, ressaltando que seu movimento tem amplo apoio entre os militares mais jovens. "Aqui todos fazem o que têm vontade, principalmente as empresas transnacionais. E, aproveitando o suborno que dão aos políticos, querem desmembrar, querem dividir nossa pátria, e não estamos de acordo com isso", continuou, referindo-se à crescente reivindicação de autonomia de quatro dos nove departamentos (províncias) do país (ler ao lado).

Imediatamente, a cúpula das Forças Armadas, que na segunda-feira admitiu que não toleraria nenhuma ação que contrariasse a Constituição ou a lei boliviana, rechaçou o anúncio do tenente-coronel e prometeu um "severo castigo" a Herrera e Galindo.

"Eles não são pessoas confiáveis entre os oficiais das Forças Armadas", declarou o comandante da instituição, almirante Luis Aranda. "Pretendem enlamear a organização militar com declarações golpistas quando as Forças Armadas respeitam o estado de direito e a institucionalidade vigente. Essa declaração é irresponsável e inoportuna e há subordinação e respeito em todas as unidades militares do país."

Ao mesmo tempo, o ministro do Interior boliviano, Saúl Lara, minimizou a importância do discurso de Herrera e Galindo. "São pessoas desqualificadas e esse caso será resolvido nos tribunais militares", disse.

Lara dirigia ontem as operações de segurança para impedir que milhares de manifestantes que protestam em La Paz desde segunda-feira - numa nova onda de marchas convocadas pela oposição - invadissem a Praça Murillo, onde se localizam as sedes do governo e do Congresso. Os manifestantes exigem a nacionalização radical da exploração de petróleo e gás e a convocação de uma Assembléia Constituinte - exigências ecoadas por Herrera.

O dirigente camponês Román Loayza anunciou para hoje uma trégua de um dia nos protestos em razão do feriado de Corpus Christi. Representantes do Movimento ao Socialismo, de Evo Morales, reuniram-se em Bruxelas com deputados do Parlamento Europeu e denunciaram o "saque" dos recursos do país pelas multinacionais.