Título: O primeiro Enade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Editorial, p. A3

Depois de anunciar o fim do ranking de qualidade das universidades brasileiras, quando substituiu o antigo Provão pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o Ministério da Educação (MEC) voltou atrás e acaba de divulgar os resultados obtidos pelos alunos e suas respectivas faculdades, na primeira avaliação realizada pelo atual governo, em novembro do ano passado. A iniciativa pegou de surpresa as instituições de ensino superior particulares e confessionais, que sempre recearam ser comparadas com as universidades públicas federais e estaduais.

Ao todo, foram avaliados 2.184 cursos em 13 áreas de conhecimento, das quais as mais importantes são medicina, agronomia, veterinária e odontologia. A prova foi aplicada a 140.340 estudantes, dos quais 83.661 eram calouros, em 2004, e 56.679 estavam no último ano. Esta foi a primeira vez que as autoridades educacionais compararam o desempenho de calouros, que completaram entre 7% e 22% do currículo, e alunos que já passaram por mais de 80% das disciplinas. O antigo Provão avaliava somente os formandos.

O resultado não traz surpresa: em 246 cursos, os estudantes de primeiro ano obtiveram médias superiores às dos concluintes. No conjunto, quase 10% dos calouros saíram-se melhor do que os veteranos. O mais grave é que isso não aconteceu só com relação à primeira parte do teste, que envolvia 10 perguntas de conhecimento geral, relativas a temas como ética e globalização. Ocorreu também com relação à parte técnica, com 30 indagações que tratavam do conteúdo específico de cada curso.

Em matéria de compreensão dos problemas contemporâneos, os alunos de medicina, um dos cursos mais disputados nos vestibulares, foram os que obtiveram as melhores médias entre os ingressantes e os concluintes. As médias mais baixas entre calouros e formandos ficaram com os estudantes de serviço social, um curso cuja concepção acadêmica há tempo parece estar em descompasso com as necessidades do mercado de trabalho. Tanto que o desempenho médio de seus formandos, na prova de conhecimentos gerais, foi pior do que o dos calouros das demais 12 áreas do conhecimento.

Esses números confirmam o que o Provão já detectara antes: por causa de suas deficiências estruturais, no conjunto o ensino superior não melhora o nível de conhecimentos gerais do corpo discente e, na maioria das áreas do conhecimento, contribui pouco para prepará-lo para o mercado de trabalho. Ou seja, a maioria das universidades, principalmente as particulares, apresenta deficiências, quer em formação, quer em capacitação.

Dos 148 cursos reprovados pelo Enade, 104 são privados. Entre os 714 cursos melhor avaliados, as universidades públicas ocupam os primeiros lugares. Por conjugar ensino com pesquisa, ter plano de carreira, laboratórios e bibliotecas, o que as leva a atrair os vestibulandos mais preparados, as instituições federais lideram o ranking de qualidade. Das 13 áreas avaliadas, elas foram as melhores em 10. Os números não incluem a USP e a Unicamp, que, por discordarem do sistema de avaliação adotado pelo atual governo, não participaram do teste.

Como o Enade é só uma parte desse sistema, o ranking de qualidade não é definitivo, podendo ser alterado quando o MEC concluir a avaliação das condições de infra-estrutura dos cursos. O curioso é que, nos tempos de oposição, o PT sempre defendeu a divulgação de um conceito geral de avaliação do ensino superior e sempre criticou a norma do governo do PSDB de divulgar a média geral de desempenho dos alunos e os conceitos das faculdades. "Estou morrendo de rir", disse o ex-ministro Paulo Renato Souza, ao comentar os resultados do Enade.

Essa rivalidade, porém, não deve desviar a atenção do foco do problema. A nova radiografia do ensino superior mostra que seus males atávicos persistem. Daí a importância de sua reforma estrutural. Diante da saraivada de críticas que seu projeto recebeu, o MEC se dispôs a reformulá-lo. Resta aguardar que a nova versão, em vez de propor a substituição da meritocracia pela politização na gestão das universidades, como a anterior, faça justamente o inverso. Sem opção pela qualidade, não há revolução educacional. O resto é proselitismo ideológico.