Título: O país do desperdício
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Editorial, p. A3

Brasil tem bilhões de reais enterrados em obras inacabadas e poderá enterrar muito mais, se não houver um mínimo de regras para a definição e a execução de projetos incluídos em orçamentos públicos. Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou mais de 3 mil obras inacabadas, com desperdício estimado, até agora, em R$ 15 bilhões. Essa pesquisa confirma, com números assustadores e talvez subestimados, um problema identificado há muito tempo e nunca enfrentado de forma conseqüente: recursos preciosos são jogados fora, todo ano, por absoluta falta de respeito ao dinheiro do contribuinte e completo desleixo em relação às funções públicas. O quadro é tão grave que o assunto entrou na agenda até de líderes partidários no Congresso. Em vez de apenas brigar pelo direito de incluir emendas paroquiais no orçamento, pelo menos alguns parlamentares decidiram atacar a baderna financeira. O deputado Ricardo Barros (PP-PR) apresentou um projeto de resolução para obrigar as bancadas estaduais a destinar, por meio de emendas, as verbas necessárias à continuação de obras paralisadas. Segundo o jornal O Globo, líderes do PP, do PSDB, do PFL e do PMDB devem apoiar esse projeto.

Para uma estimativa mais ampla do desperdício, seria preciso levar em conta não só as verbas aplicadas em projetos inacabados, mas também o custo financeiro do dinheiro enterrado sem resultados. Ainda assim o cálculo seria incompleto. Para uma avaliação mais correta, seria preciso considerar, também, os benefícios perdidos em conseqüência da pulverização de recursos em projetos sem nenhuma articulação e em geral desvinculados de qualquer critério federal de prioridades.

Parte das perdas está associada ao fato de que nem os parlamentares que propõem os projetos levam a sério suas emendas. Apresentam-nas para mostrar a seus eleitores que são capazes de responder a certas demandas de suas bases políticas. Mas não se preocupam com a conclusão das obras e no ano seguinte propõem novas emendas para outras finalidades. Parte do desastre está associada a irregularidades apontadas pelo TCU. As obras são interrompidas e nem sempre se realizam as correções necessárias para que sejam reiniciadas. Pode ocorrer, também, que um investimento seja interrompido por um aperto na execução do orçamento, sem que se procure, depois, cuidar da continuação da obra.

Mais de metade das obras, l.650, é de responsabilidade do Ministério das Cidades, segundo o levantamento. No âmbito do Ministério da Integração Regional há investimentos iniciados há 12 anos e ainda não concluídos.

As causas desse descalabro são classificáveis, afinal, em três grandes rubricas. Em primeiro lugar, há uma escandalosa irresponsabilidade em relação à lei orçamentária. As poucas verbas disponíveis para investimentos são pulverizadas em milhares de emendas quase sempre ligadas a interesses clientelísticos e paroquiais. Segundo a doutrina predominante no Congresso Nacional, o ritual de estraçalhar verbas públicas é um componente essencial da democracia. Segundo essa doutrina, o desperdício de dinheiro é parte do preço que se paga para viver num regime democrático.

Em segundo lugar, o Executivo e sua base política pouco se empenham na fixação de prioridades que realmente condicionem a elaboração do orçamento. Não adianta o governo ter um grande plano de obras, se não consegue - ou nem tenta - traduzir seus detalhes na programação financeira do setor público. O orçamento simplesmente não reflete, ou reflete muito mal, os compromissos de ação do governo.

Em terceiro lugar, o Executivo é ineficiente na execução e no acompanhamento dos projetos. A maior parte da ação do setor público passa ao largo dos mais simples princípios de administração, sem os quais nenhuma empresa conseguiria construir uma instalação em tempo razoável, com custos aceitáveis e com padrões de qualidade necessários à sua operação. Não se trata de adotar no setor público todos os padrões da ação empresarial, mas de seguir pelo menos aqueles princípios básicos de toda atividade gerencial. Com os padrões adotados no Brasil - e observáveis também nos níveis estadual e municipal_-, o resultado seria ruim mesmo que os meios disponíveis fossem muito menos escassos. A escassez de recursos é apenas parte do problema. A escassez de competência e de seriedade é muito mais grave.