Título: Novidades na inflação
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2005, Economia, p. B2

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, propõe que, na reunião de junho, o Conselho Monetário Nacional reveja a meta de inflação de 2006, já fixada em 4,5% (mais o estouro admitido de 2%), para um nível mais "realista" que, assim, permita uma redução dos juros.

No entanto, está em curso uma sutil mudança na natureza da inflação que pode passar essa proposta para trás.

Antes de avançar, é preciso entender melhor essas coisas. O principal medidor de inflação no Brasil é o IPCA, sigla de Índice de Preços ao Consumidor - Amplo. É o que serve de referência para a política monetária (política de juros). Ou seja, é esse índice que o Banco Central tem de levar em conta para calibrar o volume de dinheiro na economia (e, portanto, os juros) de maneira a produzir uma inflação (evolução do IPCA) não superior à meta imposta pelo governo que, neste ano, é de 5,1%. Como este é um índice que mede a evolução dos preços ao consumidor, reflete o que acontece no mercado varejista, fortemente influenciado em 2005 pelo avanço do crédito e das despesas públicas.

Por outra razão, o IGP-M, o Índice Geral de Preços do Mercado, também cumpre função estratégica. Este é um coquetel de preços que leva 60% de preços pesquisados no mercado atacadista, 30% do custo de vida e 10% de preços na construção civil. Como está mais carregado de preços no atacado, reflete mais o que acontece com as matérias-primas e com a cotação do dólar no câmbio interno. O IGP-M é o índice mais utilizado para reajuste dos preços administrados, que são as tarifas de telefone, luz, água e de um punhado de outros preços cujos reajustes ou estão previstos em lei ou em contrato.

Os preços administrados quase não são atingidos pelo tamanho dos juros. Seja quais forem estes, os reajustes acabarão sendo os previstos em lei ou em contrato. O diabo é que, na cesta de mercadorias e serviços medida pelo IPCA (portanto, no varejo), os preços administrados pesam cerca de 30%.

Ao longo do ano passado, o IGP-M acumulou um avanço de 12,41%. Isso significa que o IPCA deste ano já veio com uma tara proveniente da variação do IGP-M, de 3,72% (30% de 12,41%), insensível aos juros. Isso é como na navegação: se o vento empurra o barco mais a bombordo (para a esquerda), o piloto tem de dar mais leme para o lado oposto. Ou seja, para enquadrar o IPCA na meta dos 5,1%, o Banco Central teve até agora de sobrecarregar os juros para atingir mais pesadamente os preços livres que pesam cerca de 70% no IPCA.

A novidade é que, ao final deste ano, o IGP-M deverá apontar para um acumulado bem mais baixo, em torno dos 6%, porque o tombo do dólar no câmbio interno e o recuo dos preços das commodities, especialmente do petróleo, contribuíram para seu recuo. As projeções deste mês são de um IGP-M próximo ou abaixo de zero e é provável que em junho aconteça a mesma coisa. Esta é uma projeção a que poucos observadores vêm dando importância.

Se for confirmado um acumulado do IGP-M (deste ano) abaixo dos 6%, o passivo do IGP-M, que entrará para compor os preços administrados em 2006 e, portanto, também o IPCA, ficará abaixo dos 2%. Em outras palavras, para o ano que vem, até mesmo se for para garantir uma inflação de 4,5% com os 2% de desvio admitidos (a meta prevista), a política dos juros será bem menos pressionada. Enfim, a inflação pode estar sendo contida.

De quebra, será uma boa oportunidade para acabar de uma vez por todas com o reajuste dos preços administrados pelo IGP-M.

A conclusão de que o IGP-M contribuirá bem menos para a inflação de 2006 terá importantes desdobramentos políticos, na medida em que o Banco Central poderá aliviar o aperto dos juros num ano eleitoral. A Fiesp terá de levar isso em conta ao pleitear a revisão da meta de inflação para 2006.