Título: Brecha na LRF elevou em 30% gasto com servidor
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Nacional, p. A7

Uma lacuna na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ameaça comprometer o esforço de ajuste fiscal na área federal. Apesar de o governo manter o aperto no Executivo, negociando reajustes com apenas algumas categorias, as despesas de pessoal dos demais poderes da República já cresceram quase 30% acima da inflação desde 2000, quando a LRF entrou em vigor, e poderão dobrar nos próximos anos se os limites de gasto não forem revistos. Pela LRF, os pagamentos da União a servidores em atividade, aposentados e pensionistas, excluindo sentenças judiciais e rescisões trabalhistas, não podem ultrapassar 50% da sua receita líquida. Esse limite é repartido entre cada um dos poderes: 40,9% para o Executivo, 6% para o Judiciário, 2,5% para o Legislativo e 0,6% para o Ministério Público.

Atualmente, o gasto global está em 29,3% da receita (ou 30,2%, conforme a fonte da informação) - o que tanto pode ser interpretado como um bom sinal do ajuste realizado nos últimos anos, quanto um perigo para o futuro. O motivo é simples: o Judiciário e o Legislativo podem ser incentivados a ampliar seus gastos, já que possuem espaço pela LRF e autonomia constitucional para fixar os salários de seus servidores.

Na prática, isso já vem ocorrendo nos últimos anos, e o reajuste de 15% aprovado pelo Congresso para seus servidores é só o episódio mais recente. O governo vetou o reajuste argumentando falta de previsão orçamentária, mas o Congresso ainda pode derrubar esse veto.

Em tese, o espaço fiscal para o Legislativo aumentar suas despesas é de R$ 3,2 bilhões, quatro vezes mais do que custaria o reajuste de 15%.

Em 2004, as despesas declaradas pelo Senado, Câmara e Tribunal de Contas somaram 1,3% da receita líquida da União. Como o teto do Legislativo é 2,5%, nada impede que parlamentares tentem aumentar gastos. No Judiciário acontece o mesmo: o limite é de 6%, e a despesa atual, 3,25%.

Segundo o economista José Roberto Afonso, um dos pais da LRF, a folga nos limites de gasto da União já existia em 2000 e se agravou nos últimos anos com o aumento da carga tributária. Ou seja, como a arrecadação cresceu bem acima da inflação, inclusive acima do PIB, criou-se uma sensação artificial de que os gastos de pessoal estariam caindo. Na verdade, foi no Executivo onde a despesa realmente encolheu, passando de 31,1% da receita, em 2000, para 24,4%, em 2004.

"O problema desse mecanismo perverso é que, da forma como foi concebido, estimula quem está abaixo do limite a atingi-lo" , avalia o especialista em finanças públicas Raul Velloso.