Título: Novo programa nuclear prevê 7 usinas
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Nacional, p. A8

O novo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), que está sob avaliação de seis ministérios, prevê a construção de até sete novas usinas nucleares no Brasil, incluindo a conclusão de Angra 3, revelou ao Estado uma fonte do governo. O projeto, ainda mantido em sigilo, foi elaborado por um grupo coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PNB é considerado por uma ala do governo fundamental para conferir ao Brasil maior peso em sua política externa, ajudando na disputa por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Não há consenso, porém, sobre a viabilidade das propostas apresentadas: divergência entre os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Dilma Rousseff (Minas e Energia) põe em xeque a conclusão de Angra 3, primeiro passo de qualquer cenário do PNB, mas que começou a ser discutida isoladamente. A usina faz parte do antigo programa nuclear, iniciado na década de 70, ainda sob o regime militar, em parceria com a Alemanha. Mês passado, foi discutida no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em reunião suspensa pela falta de consenso entre os ministros participantes.

O novo PNB - em mãos de técnicos dos ministérios da Defesa, Fazenda, Minas e Energia, Planejamento, Casa Civil e Ciência e Tecnologia - foi solicitado por Lula logo após à viagem à China, em maio do ano passado, quando os governos brasileiro e chinês assinaram um polêmico acordo de cooperação nessa área. Na ocasião, o MCT ofereceu aos chineses o fornecimento de combustível nuclear para as usinas daquele país, produzido a partir da tecnologia desenvolvida pela Marinha para enriquecer urânio. Para atingir escala de produção necessária, porém, o Brasil precisa de novas usinas nucleares, afirmam técnicos do setor.

Dos oito cenários propostos inicialmente, o governo trabalha agora com três, todos considerando um horizonte até 2022. O mais conservador prevê a conclusão de Angra 3, usina com potência 1,3 mil megawatts (MW) e a construção de mais um reator de 100 MW, localizado na Região Nordeste. No mais agressivo, além da usina de Angra, devem ser construídas mais duas do mesmo porte e outras quatro com 300 MW - todas elas também no Nordeste. Nesse caso, seriam necessários US$ 14 bilhões em investimentos, para garantir uma capacidade total de 4,1 mil MW, equivalente a 1/3 da capacidade de Itaipu, maior hidrelétrica do mundo.

"No futuro, o mundo vai estar dividido entre os que têm energia e os que não têm e, no Brasil, as usinas hidrelétricas são cada vez menores", avalia Ronaldo Fabrício, ex-presidente de Furnas e da Eletronuclear, hoje à frente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Técnicas e Industriais na Área Nuclear (Abdan). Um dos grandes entusiastas brasileiros da energia nuclear, Fabrício admitiu, em conversa com o Estado, que não conhece o teor do PNB, hoje em mãos de um restrito número de técnicos, mas acredita que, sendo a 6.ª maior reserva mundial de urânio, o País deveria trabalhar para o desenvolvimento da energia nuclear, "genuinamente nacional".

"O governo peitou o mundo quando resistiu a abrir a tecnologia de enriquecimento da Marinha para inspeções. Esse esforço terá sido em vão se não dermos seqüência ao projeto", afirma fonte com acesso ao PNB, referindo-se à polêmica em torno da visita de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) à fábrica das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), em Resende, no ano passado. Na ocasião, o governo brasileiro conseguiu evitar que a AIEA conhecesse a tecnologia brasileira de ultracentrifugação para enriquecer urânio, mas chegou a um acordo com a agência e conseguiu aprovar o equipamento.

A aprovação da AIEA pôs o Brasil no seleto grupo de países que dominam totalmente a tecnologia de produção de combustíveis nucleares, chamado até então de P-5 (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China).

O fato já garantiu ao governo o direito de indicar o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte como coordenador das discussões sobre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, que está ocorrendo em Washington.

Mesmo na hipótese mais conservadora do PNB, o País ganharia escala suficiente para construir as milhares de ultracentrífugas necessárias para viabilizar o enriquecimento de urânio com tecnologia nacional - hoje, o número de centrífugas brasileiras não chega a duas centenas e o urânio nacional é enriquecido na Europa.

O PNB não contempla apenas a geração de energia e o domínio da tecnologia para produzir combustíveis: trata também de medicina nuclear e da independência tecnológica brasileira no setor. No cenário mais agressivo, os reatores de menor porte seriam desenvolvidos no País, que chegaria a um nível de independência tecnológica de 75% em relação ao exterior. Já na área de rádio-fármacos e de aplicações nucleares na agricultura, o Brasil se tornaria um exportador de produtos e tecnologia. Na hipótese mais conservadora, mantém o desenvolvimento em rádio-fármacos e tecnologias agrícolas, mas continua com forte dependência de conhecimento estrangeiro.