Título: Franceses podem lançar UE hoje numa era de incertezas
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Internacional, p. A12

A prevista vitória do "não" no referendo de hoje na França, por todas as pesquisas de opinião, não deverá comprometer totalmente o processo de ratificação da Constituição da União Européia (UE), já concluído em nove países. Poderá, no entanto, abrir um longo período de incertezas na Europa. Os últimos levantamentos de opinião, na véspera da votação, confirmam a provável rejeição: 55% a 45% em uma pesquisa, 52% a 48% em outra. Os indecisos seriam 10%. Não é esperado um grande comparecimento. Num referendo, a abstenção é sempre maior do que numa eleição convencional.

O mesmo poderá se repetir no dia 1.º na Holanda, onde também as pesquisas, muito provavelmente influenciadas pela tendência francesa, indicam a vitória do não. Só a Alemanha, na sexta feira, aprovou definitivamente a Carta da UE no Bundesrat (Câmara de Representantes dos 16 Estados alemães). O resultado da votação alemã foi considerado um forte sinal para a França, cujo eleitorado, no entanto, parece não ter assimilado a mensagem.

Depois das advertências do presidente Jacques Chirac de que a rejeição fará a Europa entrar em pane, o ex-presidente Giscard d¿Estaing, um dos inspiradores do texto constitucional, desmentiu uma possível renegociação do tratado. Mas admitiu a possibilidade de um novo referendo como única solução - uma saída rejeitada categoricamente pelos partidários do não.

O resultado da consulta será conhecido por volta das 22 horas de hoje e deverá desencadear imediatamente um debate sobre suas conseqüências. Já se prevê um acerto de contas interno nos partidos de direita e esquerda, que se dividiram durante toda a campanha. O conservador Chirac vai substituir o impopular primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin pelo atual ministro do Interior, Dominique de Villepin, que nestes últimos dias tem visitado o presidente com muita freqüência. Isso poderá acirrar ainda mais as relações entre Chirac e o candidato da maioria conservadora e liberal à presidência, Nicolas Sarkozy.

Villepin é tido como o maior adversário dele. Essa designação surpreende Sarkozy que atualmente enfrenta uma séria crise conjugal. Na esquerda, o maior beneficiário do não será o ex-primeiro-ministro e atual número 2 do Partido Socialista, Laurent Fabius. Ele ousou contestar a decisão dos militantes e da direção da agremiação, favorável a ratificação do texto constitucional. A estratégia de Fabius é menos européia e mais nacional. Ele repete Mitterrand em 1974 e 1981, tentando reunir as forças de esquerda em torno de sua eventual candidatura à presidência em 2007. Fabius defendeu o não com apoio das bases e contra decisão da cúpula socialista. Mais de 60% dos simpatizantes socialistas manifestaram intenção de votar contra a Carta.

O Partido Comunista vota maciçamente não (89%) - a exemplo da extrema esquerda e, paradoxalmente, da extrema direita, a Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen (90%). Philippe de Villiers e Charles Pasqua são outros nomes conservadores que poderão sair fortalecidos com o não. Entre os grandes perdedores, além de Chirac e Raffarin, inclui-se Sarkozy. Do lado socialista, as maiores vítimas do não são o primeiro-secretário François Holande e Lionel Jospin, que retomou a atividade política, depois de ter renunciado à vida pública, para participar da campanha do sim. Isso sem falar no próprio Giscard d¿Estaing, tido como um dos pais dessa Constituição.