Título: Internet cria novo tipo de viciado
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Vida &, p. A17

No Orkut, a badalada rede de amizades da internet, uma adolescente abre a discussão: "Galera, vocês já foram chamados de doentes por causa do computador?". A pergunta é encarada com naturalidade. "Já, várias vezes", admite uma garota. "Deixo de sair, ver TV e até mesmo dormir", conta um jovem. "Passei o fim de semana todo na internet. Eu tentava parar, mas era mais forte que eu", relata um internauta. "O viciado em droga diz que pára quando quiser, mas nunca consegue. Será esse o nosso caso?", outro adolescente levanta a hipótese. Esses cinco internautas estão entre os mais de 600 que fazem parte de uma comunidade do Orkut chamada Viciados em Internet Anônimos. Embora o nome tenha sido propositalmente criado com um quê de exagero e outro de humor, médicos e psicólogos alertam que a comparação feita pelo último adolescente não é nada absurda: assim como as drogas, o álcool e o cigarro, a internet pode causar dependência.

"Ninguém se torna dependente de uma coisa que não traz prazer. A internet é, sem dúvida, prazerosa e se torna dependência quando passa a preencher uma carência, diminuir a ansiedade, aliviar uma angústia", diz o psiquiatra André Malbergier, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

O vício se concentra nos programas de conversa em tempo real, como o MSN Messenger e as salas de bate-papo. Como se pode "teclar" com várias pessoas ao mesmo tempo, não é difícil que o internauta passe horas e horas na frente do computador.

Os especialistas dizem que é cada vez maior o número de pessoas com essa nova queixa, mas ainda é impossível estimar o tamanho do problema. "Pouquíssimas pessoas se dizem dependentes porque a internet não tem cara de vício. Ao contrário da droga, que fica escondida, a internet está em casa, no trabalho e até na rua", diz a psicóloga Maluh Duprat, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Os poucos que procuram ajuda podem ser divididos em dois grupos. O primeiro é formado por adolescentes, levados por pais preocupados com as notas baixas na escola e as atitudes anti-sociais. O segundo é composto por adultos que só se dão conta do problema quando o rendimento no trabalho cai por causa das madrugadas na frente do computador ou quando o casamento já está por um fio.

A compulsão pelo computador já foi a causa de episódios trágicos. Nos Estados Unidos, em 1997, a Justiça condenou uma mulher a 2 anos e meio de prisão porque deixava os três filhos pequenos trancados durante horas no quarto para conversar com amigos virtuais. Cinco anos mais tarde, na Coréia do Sul, dois jovens morreram de exaustão depois de passar mais de 48 horas numa LAN house (casa de jogos de computador e internet).

No Brasil, o uso da internet cresce a cada dia. Segundo uma pesquisa Ibope/NetRatings, o Brasil é o país que mais usa a internet no mundo, com 15 horas e 14 minutos por usuário residencial durante o mês de abril - liderança que pertencia ao Japão.

TRATAMENTO

"O caso é tão parecido com o da droga que o dependente de internet também tem a síndrome da abstinência. Quando tenta diminuir o uso do computador, fica irritadiço e ansioso", diz o neuropsicólogo Daniel Fuentes, do Hospital das Clínicas da USP.

O tratamento também é semelhante ao que se submete um dependente de droga. Inclui psicoterapia para tentar descobrir que conflitos pessoais levaram à dependência - parte dos viciados em internet, dizem os especialistas, tem extrema dificuldade de relacionamento social. Em muitos casos é preciso tomar remédios que diminuam o impulso pelo computador.

A psiquiatra Norma Martino Magolbo diz que os pais podem ajudar a evitar o problema. "Computador não pode ficar no quarto das crianças ou dos adolescentes. Deve ficar num lugar comum da casa, por onde todos passem. Assim fica mais difícil que o filho se feche e se isole."

Apesar dos riscos da internet, os especialistas lembram que a dependência é exceção. "Não podemos transformar a internet no vilão, porque o problema é o uso que nós fazemos dela", diz Maluh Duprat, da PUC-SP. "A internet é um instrumento fundamental. Não dá para viver sem ela."