Título: Há restrições, mas casais freqüentam a igreja
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Vida &, p. A20

Mesmo sem poder comungar, muitos recasados participam da missa e de pastorais

José Ferreira dos Santos e Maria Nice Nunes, que vivem juntos há 17 anos, não perdem a missa de domingo e participam da pastoral familiar na Paróquia de Santo Alberto Magno, em Guarulhos. Parecem um casal exemplar, de tanto que se dedicam aos irmãos, mas não podem se confessar nem comungar, porque vivem em situação irregular. Santos é divorciado e, por essa razão, não consegue regularizar sua união com Maria Nice. Ele bem que pensou em pedir a declaração de nulidade do casamento, mas até agora não se animou. Enquanto vai adiando a decisão, sujeita-se às restrições impostas pela Igreja. "Participamos de tudo, até da liturgia da palavra (leituras e depoimentos), mas não entramos na fila da comunhão", disse Santos, sem demonstrar mágoa com a exclusão do sacramento. Ele acha que os vigários da paróquia até que gostariam de lhes dar a eucaristia, mas agradece a exceção. "Eu e Maria Nice não queremos comungar enquanto não estivermos prontos." Ou seja, vão esperar a oportunidade de entrar com a ação de nulidade para se integrar plenamente à vida da comunidade.

Enquanto isso, Santos e Maria Nice dão um testemunho cristão. Como casal de segunda união da Pastoral Familiar da paróquia e da diocese, falam sobre questões matrimoniais para outros casais, especialmente os que estão em situação semelhante à sua, os divorciados que tornaram a casar. Pai de três filhos do primeiro casamento, Santos tem mais dois com Maria Nice. "Sou muito feliz nesta segunda união e gostaria de ter sido feliz também na primeira, mas não deu certo", lamenta.

Já o advogado trabalhista Renato Rua de Almeida conseguiu a declaração de nulidade do primeiro casamento em 1977, quando as normas do antigo Direito Canônico eram mais rigorosas do que as do código atual. "O processo demorou um ano até sair a sentença de segunda instância, porque eu tinha me casado em Maringá, que é outra arquidiocese, e a ação correu em São Paulo", conta. De um ano era também o prazo mínimo previsto pelo antigo código.

Católico fervoroso, Renato recorreu ao tribunal eclesiástico por divergências com a primeira mulher em relação ao controle de natalidade. Ela usava a pílula, que Paulo VI condenou na encíclica Humanae Vitae; ele defendia o método natural, único aprovado pela Igreja. Passaram cinco anos casados e tiveram uma filha. "Eu gostava da minha primeira mulher, tentei convalidar o casamento que eu considerava nulo, mas ela não ligava para religião e nunca considerou que o matrimônio fosse sacramento", disse o advogado. Coerente com seus princípios religiosos, permaneceu sozinho até 1980, quando se casou com Cida, sua atual mulher. Têm dois filhos. "A Igreja busca a verdade do Evangelho e a felicidade das pessoas, quando defende o casamento indissolúvel", é essa a sua convicção.

Luíza Dall¿Alamico, assistente de Marketing, se casou em 1983 e se separou em 1985. Agente de pastoral de Liturgia, relutou em recorrer ao tribunal eclesiástico para pedir a declaração de nulidade de casamento, por falta de informação. "Achava que a sentença favorável só seria possível em caso de falta grave e não era esse o caso".

Alegou que o marido não havia assumido o compromisso, que não tinha maturidade para o matrimônio. Ele era batizado, mas não católico praticante e não foi depor no tribunal. A sentença saiu em um ano. Engajada na pastoral, Luíza não pretende se casar de novo. Em sua paróquia, conhece casais de segunda união que foram discriminados por causa disso. Alguns participam da vida sacramental, apesar da proibição da Igreja. São pessoas que, pelo que dizem e pelo que fazem, gostariam de se integrar sem limitações à vida da comunidade. Essa integração, observa Luíza, depende muito do padre, da maneira de ele acolher os recasados.

"A Igreja acolhe os casais de segunda união e eles podem desempenhar várias atividades na comunidade", dizem Wanderley Pinto e sua mulher, Maria Célia, coordenadores nacionais da Pastoral Familiar na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. "As dioceses promovem encontros de casais de segunda união assim como de solteiros e de viúvos, nos quais se reflete sobre o sentido da vida matrimonial no plano de Deus."

Pais de três filhos, 27 anos de casados, Wanderley e Maria Célia observam que, embora insista na preparação dos noivos e na preservação do vínculo indissolúvel, a Igreja abre espaço para os divorciados que se casam de novo. "Essa acolhida pastoral começou em 1981 com a encíclica Familiaris Consortio, de João Paulo II". Os casais que questionam a proibição de participar dos sacramentos, dizem eles, deveriam ler os documentos que explicam a restrição.