Título: A quem serve o monopólio do IRB
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Economia, p. B2

O governo FHC conseguiu modernizar boa parte da estrutura econômica do País, atualizando o que Getúlio Vargas construiu, sedimentou e os governos que lhe sucederam quase nada mudaram. Os monopólios estatais, a profusão de institutos e conselhos, a miúda interferência do Estado na economia e na vida da população foram extintos, flexibilizados e substituídos pelo sistema privado de competição e por agências que se limitam a regular e a fiscalizar serviços prestados pelas empresas privadas. O programa de reformas de FHC não inovou. Recuperou o atraso em que se encontrava o Brasil na relação com o resto do mundo, moderno e globalizado. Mas FHC não moveu um milímetro e deixou intactas duas estruturas que, se foram úteis há 70 anos, hoje são anacrônicas e têm atrapalhado o progresso econômico: a legislação sindical-trabalhista e o monopólio de resseguros, ambos criados por Vargas na ditadura do Estado Novo. O sistema sindical e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobrevivem sobre a fraqueza política dos governos FHC e Lula, incapazes de enfrentar os lobbies organizados de trabalhadores e empresários sindicalistas que não sabem viver sem proteção do Estado.

Já o monopólio do IRB-Brasil Resseguros S/A é mantido por motivo fútil e sem sentido, de simples conveniência política: foi usado por FHC e continua sendo, por Lula, para despejar na diretoria e no segundo escalão afilhados de partidos políticos aliados. Como boa parte das estatais foi privatizada e a sede dos partidos por cargos é insaciável, convém manter o IRB de reserva.

Afinal, para que (ou a quem) serve o monopólio de resseguros? No bom sentido, para nada, só atrapalha. Nem o petista mais xiita ousa encaixá-lo no rotulado e gasto argumento de "setor estratégico". Há, porém, quem se sirva do monopólio e tire proveito de sua estrutura fechada e cartorial, com extraordinário poder de mando e livre de controles, regulação e fiscalização. A direção atual do IRB foi loteada entre o PTB, o PMDB, o PP e o PT. Só o diretor financeiro não tem vinculação partidária.

Obviamente, o interesse dos políticos pelo IRB é dele tirar algum proveito ou vantagem para seus partidos. E conseguiram. O pulo-do-gato estava na escolha do corretor no Brasil, representante de uma empresa de resseguro no exterior, que cobra comissões milionárias pela intermediação em operações externas. O diretor Luis Eduardo de Lucena, indicado pelo deputado José Janene (PP-PR), tinha autonomia para, sozinho e sem nenhum critério, escolher o ambicionado vencedor entre os 26 corretores credenciados, em contratos de até US$ 500 mil. Poderoso, manejou, em 2004, quase US$ 300 milhões em contratos, que renderam US$ 21 milhões em comissões.

O vitorioso maior foi justamente Henrique Jorge Duarte Brandão, da Assurê Corretagem de Seguros, que começou a atuar em resseguros em meados de 2003 e em poucos meses já ganhava a quinta posição. E quem é Brandão? Amigo do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o maior financiador da campanha de sua filha para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e ex-chefe de seu genro, Marcos Vinícius Vasconcelos Ferreira.

Monopólio é isso mesmo. Serve a alguém e desserve ao País. O mesmo método foi aplicado nos anos 1970-1980, quando o extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) exercia o monopólio da exportação de açúcar. Diretores do IAA e intermediários no Brasil de trading companies estrangeiras viviam felizes, em festa, longe de qualquer controle e fiscalização. O monopólio garantia.

Ao assumir o governo em 1995, FHC anunciou que iria abrir o mercado de resseguros e privatizar o IRB. Ao final de 2002 não fez nem uma coisa nem outra. Lula enviou este mês ao Congresso projeto de lei complementar que extingue o monopólio, abre o mercado para empresas privadas, mas mantém o IRB estatal. Talvez por preconceito ideológico, privatização ainda é palavra maldita e proibida para o PT e para os corporativos funcionários do IRB.

Mas vai aqui uma proposta e oportunidade para nossos deputados e senadores provarem que não pensam só em reeleição e realmente se preocupam com a governabilidade: dêem uma trégua aos brasileiros, acertem uma agenda, retomem o trabalho e recomecem a legislar matérias importantes para o País, como esta do monopólio do IRB. Vamos lá, deputado Severino Cavalcanti!