Título: Aumenta a classe média indiana
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2005, Economia, p. B6

DÉLHI - Para a maioria dos brasileiros, a Índia é aquele país em que as vacas andam soltas nas ruas, miseráveis brotam por todos os lados e a água é invariavelmente contaminada. Tudo isso é verdade, mas a Índia vai além dos estereótipos. É um país que passa por uma brutal mudança cultural, conseqüência direta do aumento da classe média, enriquecida com a expansão econômica. Os indianos começam a ser seduzidos pelo consumo e estão descobrindo shopping centers, supermercados, marcas globais e o cartão de crédito. Segundo o Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER, em inglês), a classe média indiana cresce ao ritmo de 16,8% ao ano. É um contingente de quase 90 milhões de pessoas, o equivalente a 8% da população, cuja renda domiciliar mensal varia de US$ 450 a US$ 1,8 mil (entre R$ 1,1 mil e R$ 4,5 mil). Ainda é pouco quando se leva em conta que 70% da população vive com menos de US$ 174 (R$ 430) por mês. Se forem considerados os ricos do país - 0,8% da população segundo o NCAER -, são mais 8,6 milhões de pessoas. É um contingente de 100 milhões de consumidores ávidos por produtos duráveis e não-duráveis.

O poder de consumo da classe média é uma descoberta recente na Índia e remonta à reforma econômica iniciada em 1991. O impulso ao consumo foi uma decorrência da liberalização da economia empreendida pelo governo. Na época, para se medir o grau de riqueza, os recenseadores contabilizavam fogões e motocicletas. Oitenta por cento do consumo de uma família era escorado numa cesta de apenas oito itens.

Hoje, mede-se a afluência por TVs em cores, forno microondas, carro, linha telefônica e cartão de crédito. A cesta básica de consumo dobrou de tamanho e compreende 17 itens. O volume de adeptos de transações bancárias com cartões magnéticos tem aumentado em média 55% ao ano, saindo de 3 milhões de usuários em 1998 para 44 milhões este ano. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, uma das grandes conquistas da indústria de software e do setor de serviços, dobrou os rendimentos de boa parte das famílias. Ainda assim, apenas 36% dos indianos de classe média tem carro e só 65% têm TV em cores. Há uma demanda enorme a ser explorada, principalmente na área de produtos mais populares.

"A classe média começa a se fixar em marcas e a valorizar novos hábitos de consumo como, por exemplo, usar lenços de papel", diz Gautam Thapar, dirigente da Ballarpur Industries Ltd (Bilt), gigante do setor de papel. Sua empresa acaba de lançar novas marcas de produtos para escritório e para uso pessoal, entre eles os tais lenços de papel - uma descoberta fantástica para madames e homens de negócios que pingam sob o calor de mais de 40 graus da capital indiana.

"O mais curioso é que o crescimento da classe média não se restringe às cidades, mas também chega às áreas rurais", afirma Rajesh Shukla, chefe de estatísticas do NCAER. Um em cada três indianos de classe média está no campo. "Isso acontece pelo perfil populacional da Índia. Ainda hoje temos 72% das pessoas vivendo na zona rural", diz Shukla. É nessas áreas que está o potencial de crescimento de consumo, com os constantes aumentos de renda agrícola e os investimentos feitos pelo governo na área de infra-estrutura rural.

COCA-COLA MENOR

A Coca-Cola, por exemplo, realizou uma mudança radical em sua operação e priorizou o campo. Mudou até o padrão de suas garrafas, diminuindo o tamanho de 300 ml para 200 ml, para poder alcançar os mais pobres. Cuidou particularmente de criar canais nas "kiranas" (lojas de vizinhança dos vilarejos) , nos "haats" (feiras semanais) e "melas" (feiras anuais). A Índia tem aproximadamente 2,5 milhões de "kiranas" espalhadas em 600 mil vilarejos, 47 mil "haats" e 25 mil "melas", uma complexidade colossal de distribuição. Mesmo assim a Coca-Cola venceu o desafio, e 80% de seus novos consumidores vêm da roça.

A gigante coreana LG é uma das multinacionais que apostam pesado na classe média e tem adotado uma estratégia ousada. A empresa valeu-se de sua rede de distribuição de aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos nas cidades com até 100 mil habitantes para vender outros produtos. Os coreanos montaram um megaesquema de distribuição em 40 mil pontos de varejo onde desde o ano passado se encontram sabonetes, xampus e creme dental com os mesmos logotipos que enfeitam TVs de plasmas e celulares no Brasil. A idéia surgiu depois que a LG percebeu que os indianos mais endinheirados queriam outras opções em produtos de higiene pessoal que não eram supridas por concorrentes nacionais e internacionais como Unilever e Procter&Gamble. A Índia é assim: um mar de oportunidades para quem tiver disposição para se aventurar.