Título: Salvaguardas contra a China
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Economia, p. B2

Os empresários brasileiros aplaudiram o anúncio do presidente Lula de que o governo brasileiro está regulamentando o uso de salvaguardas comerciais para proteger o mercado interno da avalanche de produtos chineses.

Quando, há dois anos, entrou na OMC, a China teve de aceitar cláusulas que previam imposição de cotas e salvaguardas sempre que se comprovasse dano aos produtores locais. Em conseqüência da política de alianças que o governo Lula desenvolveu com a China, essas providências foram sendo adiadas. Só agora, parece, vão ser colocadas em prática.

No entanto, convém que o empresário não espere demais dessas salvaguardas. Pelo menos na área têxtil, desta vez não se pode afirmar que o prejuízo decorra preponderantemente de iniciativas desleais da China. As exportações mais fortes da China para todo o mundo são conseqüência da extinção do regime de cotas, assinado pelos países da OMC há dez anos, quando do início da vigência da Rodada Uruguai.

Dez anos é período suficientemente longo para que a indústria do mundo inteiro se tivesse preparado para a liberação do mercado. Há pelo menos dois anos, sabia-se que a China acabaria por engolir pelo menos metade do mercado mundial de produtos têxteis, tão logo as proteções em vigor fossem removidas no dia 1.º de janeiro. Mais ainda, sabia-se que o fim do regime de cotas acirraria a competição mundial e a derrubada dos preços. Enfim, o que está acontecendo não deveria ser surpresa para ninguém.

Mas é preciso levar em conta pelo menos outros quatro aspectos dessa matéria. O primeiro deles é o de que os empresários às vezes misturam problemas. Um dia, reclamam da falta de câmbio; outro, dos juros extorsivos ou da elevada carga tributária; outro ainda, da concorrência desleal dos chineses. Se o problema é câmbio ou juros não será com salvaguardas que será resolvido. Cada doença com sua terapêutica e seu remédio.

O segundo aspecto a considerar é o de que não será com a defesa do mercado interno que se conseguirá preservar o mercado externo de um produto. É verdade que a indústria têxtil brasileira poderá aumentar sua participação em mercados cujos governos se defenderem do ataque chinês. Mas também é verdade que outros países asiáticos alijados pela maior competitividade chinesa também ficaram mais agressivos no resto do mundo e que esse aumento da competitividade tenderá a criar dificuldades para o produto brasileiro.

Por aí se vê, também, como o Brasil está sendo prejudicado pela falta de acordos comerciais, especialmente com a União Européia e com o resto das Américas, no âmbito da Alca.

O terceiro aspecto a avaliar é o de que eventuais novas medidas de proteção não serão estabelecidas só contra o governo chinês. Praticamente todas as grandes corporações internacionais estão na China e lá participam do seu projeto mercantilista. Em outras palavras, quem enfrenta a China está enfrentando também a Dupont, a General Motors, a IBM e a Siemens. Por mais que se empenhem em defender seu mercado da invasão chinesa, os Estados nacionais saberão parar quando sua reação estiver atropelando interesses das grandes empresas das quais seus fundos de pensão são acionistas.

Quarto, as intervenções de defesa do mercado interno, mesmo quando tomadas por iniciativa de governos poderosos, podem apressar ou retardar tendências, mas cada vez menos podem revertê-las. Nesse caso, as medidas de defesa tendem a impedir adaptações mais rápidas ao aumento da competição internacional. Nos últimos nove anos, a indústria têxtil brasileira investiu cerca de US$ 1 bilhão por ano para modernizar-se e ganhar competitividade no mercado internacional. Políticas de defesa tendem a adiar esses saltos qualitativos e cochiladas assim podem custar perda de participações no mercado externo.