Título: Os vilões da política econômica
Autor: João de A. Sampaio Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Economia, p. B2

A atual política econômica tem obtido sucessos inegáveis, como o aumento recorde das exportações, boas safras agrícolas, que ajudaram a garantir excelentes superávits da balança comercial, e a criação de empregos. Há ótimos prognósticos, como o de que o Brasil caminha para ser, em 12 anos, o maior país agrícola do mundo. Alguns pontos, porém, obscurecem esse cenário positivo, causando apreensão e pondo em risco a continuidade do crescimento da economia. São eles a política de juros altos, a alta carga tributária e os gastos sem controle do governo. Os juros altos têm sido justificados como uma forma de conter a inflação e equilibrar a economia. Por sua vez, o aumento constante dos impostos é alardeado como necessidade para fazer frente aos gastos. O que não convence, entretanto, é que o objetivo final que deve nortear toda e qualquer diretriz de governo nessa área, ou seja, o do crescimento econômico sustentado com desenvolvimento social, esteja sendo atingido. O que se sabe e se constata é exatamente o oposto. Um estudo recente feito pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados mostra que no período de 1995 a 2004 a economia ficou estável e a inflação, controlada, mas não houve promoção da justiça social nem distribuição de renda.

O relatório revelou que os gastos com juros e encargos da dívida pública chegaram a R$ 727,5 bilhões e ajudaram a compor um total de gastos da ordem de R$ 5,78 trilhões, enquanto os investimentos em educação, saúde, segurança pública, infra-estrutura (estradas, portos, saneamento) não passaram de R$ 884,2 bilhões. Ainda de acordo com esse levantamento, a taxa básica de juros, a Selic (hoje em 19,25%), cuja média foi de 14,82% acima da inflação, fez com que cada brasileiro gastasse, em média, R$ 4.287 por ano a título de pagamento e encargos da dívida e apenas R$ 426,83, ou um décimo, em assistência social.

A política de juros altos afeta o equilíbrio fiscal e obriga o governo a um esforço brutal de superávit, elevando a dívida pública. E os gastos altíssimos com esta impedem o investimento, por exemplo, em programas de crédito e na melhoria da logística de exportação. Não há economista hoje que não se preocupe com essa questão básica: o esgotamento da capacidade de investimento do Estado, devido ao aumento dos gastos públicos. Os gastos do Estado, que já alcançam 40% do produto interno bruto (PIB), têm como conseqüência a imposição de uma pesada carga tributária sobre o setor produtivo e sobre a sociedade. O passivo da dívida em títulos obriga o Executivo a aumentar os gastos, realimentando a dívida. É o problema central do País hoje.

São inúmeras e nefastas as conseqüências dos cortes de investimentos. O Ministério da Agricultura foi obrigado a reduzir de R$ 135 milhões para R$ 37 milhões o orçamento para defesa sanitária. Esse corte vai prejudicar significativamente uma das mais importantes campanhas do ministério: a do combate e erradicação da febre aftosa. Deve-se lembrar que a saúde do rebanho bovino assegura e garante a expansão dos US$ 2,5 bilhões gerados anualmente pelas exportações brasileiras. A falta de investimentos também prejudica a melhoria do sistema de logística e infra-estrutura do País, um dos mais obsoletos do mundo, considerado o principal gargalo do nosso desenvolvimento. Se nada for feito para melhorar os dois setores, o País correrá o risco de aumentar sua produção agrícola e não ter como exportá-la.

O governo gaba-se de conseguir manter o superávit primário em 4,6% do PIB, mas o que não é dito é que na conta não está incluído o pagamento dos juros das dívidas públicas interna e externa. De acordo com economistas, se o pagamento desses juros fosse incluído, o superávit se transformaria em déficit nominal. Somadas, as dívidas interna e externa do Brasil correspondem a R$ 956,996 bilhões, ou 51,9 % do PIB. No ano passado, o País pagou de juros dessas dívidas R$ 128,5 bilhões, ou 7,29% do PIB. Este ano vai pagar R$ 150 bilhões.

A ausência de dinheiro para investir no setor produtivo, causada pela perseguição desta meta de superávit, se soma à avidez por arrecadação de impostos, cada vez mais altos e em maior número. Os dois fatores, juros altos e carga pesada de impostos, como se sabe, atrapalham o desenvolvimento do País sob vários aspectos, inclusive afugentando eventuais investidores nacionais e internacionais que tenham como alvo a cadeia produtiva brasileira.