Título: Empresas buscam saídas para combater o trabalho escravo
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Economia, p. B20

O combate ao trabalho escravo no Brasil recebeu, na semana passada, um apoio importante: o de representantes do empresariado e associações de classe, que se comprometeram a unir forças contra essa realidade, ainda muito presente no interior do País. Líderes da iniciativa privada, do governo e ONGs assinaram em Brasília o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que prevê ações conjuntas para combater o problema. O governo já faz, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a chamada "lista suja" do trabalho escravo no País, que hoje reúne 166 empresas, a maioria fazendas, onde a prática é recorrente. A iniciativa do Pacto nasce a partir dos mapeamentos das cadeias produtivas realizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a ONG Repórter Brasil.

Entre 1995 e 2003, foram 1.011 fazendas fiscalizadas e 10.726 trabalhadores resgatados. A incidência de trabalho escravo é maior no interior do País e mais forte entre os setores da pecuária (43%), ações de desmatamento (28%), agricultura (24%), madeireiras (4%) e carvoarias (1%). Pará e Mato Grosso lideram o ranking, com 53% e 26% de trabalhadores resgatados de condições adversas de trabalho.

A maioria dos trabalhadores é aliciada em municípios muito pobres do Nordeste brasileiro, e já chegam nas fazendas "devendo" o transporte e a alimentação. Os escravos do Brasil contemporâneo são muito humildes, têm entre 25 e 40 anos, não possuem documentos nem instrução. "Não se trata apenas de não pagamento de salários: é uma situação de servidão por dívida e de cerceamento da liberdade", diz Patricia Audi, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da OIT.

Na solenidade de assinatura do pacto, na semana passada, em Brasília, o secretário nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que existem aproximadamente 16 milhões de trabalhadores no meio rural que não possuem carteira assinada - os registrados somam somente 1,3 milhão de pessoas. Miranda afirmou que a meta do governo é abolir o trabalho escravo até o fim do próximo ano.

Embora já existam ações governamentais em curso e mobilização de entidades como o Ministério Público do Trabalho, o apoio dos empresários é importante porque a iniciativa privada tem o poder de rastrear seus fornecedores e descobrir onde estão as falhas nas questões trabalhistas. "A 'lista suja' envolve empresas de setores chave para as exportações, como o agronegócio, o que acaba sendo uma grande vulnerabilidade para o Brasil", diz Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos, que foi responsável pela mobilização do empresariado. "Além de ser vergonhoso para o País, a existência de trabalho escravo pode levar à quebra de vários contratos."

CONSUMO

Na ponta da cadeia produtiva, o consumidor brasileiro pode estar comprando produtos que utilizam trabalho escravo na sua fabricação, mesmo sem ter consciência disso. A alta incidência de trabalhos forçados em setores como agricultura e pecuária preocupam as redes varejistas, que já vêm tomando medidas para melhor controlar seus fornecedores.

É o caso do grupo Pão de Açúcar, que desde o início do ano vem incluindo uma cláusula adicional aos contratos comerciais, que implica que os cerca de 6 mil fornecedores devem ser zelosos em sua cadeia. Se a rede varejista identificar irregularidades, os contratos de fornecimento serão quebrados. "Enviamos ainda uma carta para todos os fornecedores, explicando nossa postura de combate ao trabalho forçado e o quanto a questão é importante para o grupo", explica Sueli Renberg, ombudsman dos fornecedores do Pão de Açúcar.

A resposta das empresas fornecedoras tem sido positiva, na avaliação de Sueli, e já se expande para outros elos da cadeia. "Nossos principais fornecedores de carne já estão informando as empresas ligadas à cadeia sobre a questão. Não pode ser um movimento de uma empresa só", diz. Outras redes varejistas, como Wal-Mart e Carrefour, vão seguir os mesmos princípios.

Grajew, do Ethos, estima que, com o apoio maciço do empresariado, será possível eliminar o trabalho escravo como sistema de produção em todo o País, em cerca de um ano de atuação. Depois, a batalha é incentivar o que Grajew chama de "trabalho decente" na cadeia produtiva - assegurar que os trabalhadores tenham condições mais dignas para exercer suas funções. "Existem até empresas da 'lista suja' que investem em projetos sociais. Para ter responsabilidade social, é necessário que a empresa faça primeiro a lição de casa."