Título: Da retórica aos negócios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Editoriais, p. A3

A linguagem dos negócios foi a mais falada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua visita à Coréia do Sul. Essa é uma notícia animadora. Atrair investimentos, buscar oportunidades comerciais e vender a imagem do Brasil como um bom lugar para ganhar dinheiro foram as principais atividades do presidente e de sua comitiva, em Seul. Tanto os contatos oficiais quanto os encontros com empresários foram marcados por saudável pragmatismo. Não se perdeu muito tempo com a retórica da reforma da economia mundial. A colheita imediata de resultados foi modesta, mas o empresariado coreano demonstrou interesse e a parceria econômica poderá evoluir, se houver suficiente empenho do lado brasileiro. A Eletrobrás e a Korea Electric Power Corporation formalizaram acordo de investimentos de US$ 1,5 bilhão no setor energético. Foi assinado um protocolo de intenções da Companhia Vale do Rio Doce e da Dongkuk, terceira maior produtora de aço da Coréia do Sul, para a construção da Usina Siderúrgica do Ceará. Uma missão coreana virá ao Brasil para examinar as possibilidades de compra de etanol.

O governo brasileiro tentou convencer a Pohang Steel Corporation (Posco) a investir numa siderúrgica no Maranhão, hipótese anunciada no ano passado, durante visita ao Brasil do presidente coreano Roh Moo-Hyun. A Posco havia anunciado, recentemente, a decisão de aplicar seu capital na Índia, que oferece melhores condições tributárias.

A promessa da MP do Bem, na semana passada, com benefícios fiscais para investimento e exportação, deu aos brasileiros um novo argumento e os dirigentes da empresa coreana disseram que poderão reexaminar o assunto.

Seja qual for a decisão, as autoridades brasileiras ganham pelo menos o aprendizado. Possíveis parceiros econômicos não estão interessados na retórica de alianças estratégicas, mas em oportunidades concretas de negócios lucrativos.

Impostos menores são apenas parte das condições avaliadas pelos investidores. Estabilidade econômica também pesa, e isso o governo já descobriu. Daí o esforço do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para mostrar aos investidores potenciais a melhora dos fundamentos da economia brasileira. Mas isso ainda é insuficiente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de ouvir do principal executivo da Samsung, Yun Jon-Yong, quatro recomendações. O Brasil precisa eliminar a guerra fiscal entre Estados, alinhar sua tributação à de outros países, diminuir a burocracia e garantir regras estáveis. São fatores importantes para decisões de investimento, porque afetam não só os custos e as condições de competição, mas também a previsibilidade necessária a compromissos de prazo muito longo.

Lula procurou mostrar que seu governo vem criando condições para um crescimento econômico duradouro. Num de seus poucos arroubos retóricos, disse que o bom governante deve articular razão e paixão, combinando o uso correto dos instrumentos com a manutenção dos compromissos políticos e das convicções. "Aqui estão alguns desafios", afirmou, "para os países que enfrentaram a industrialização tardia."

Talvez tenha esquecido, nesse momento, que o Brasil já havia constituído uma razoável base industrial quando a Coréia começou a modernizar-se. Também esse país enfrentou a "industrialização tardia", mas sua evolução, desde o armistício de Panmunjon, foi muito diferente da brasileira. Partindo do zero em 1953, a economia coreana tornou-se uma das mais competitivas do mundo, com respeitável participação no comércio internacional. Isso foi conseguido graças a um bem executado programa de investimentos na formação de capital humano e também na absorção e na produção de tecnologia de ponta. A Coréia também sofreu, como o Brasil, os efeitos da crise da dívida, nos anos 80, mas foi capaz de se ajustar com rapidez e de criar as bases macroeconômicas para o desenvolvimento.

Com a modernização da Coréia e de outros países que exibiram grande dinamismo nas últimas décadas, houve uma efetiva e inegável mudança na geografia econômica. O Brasil poderia ter tido um papel mais importante nessa alteração, se houvesse feito as apostas corretas. Eis um bom tema de meditação para o presidente Lula.