Título: Na PF, Marinho inocenta Jefferson
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/05/2005, Nacional, p. A7

BRASÍLIA Indiciado ontem pela Polícia Federal por corrupção passiva e fraude em licitação, o ex-chefe de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, negou que participe de um esquema de arrecadação de propinas. Em seu depoimento, ele procurou livrar a responsabilidade de empresários e políticos que acusara antes, e ainda tentou assumir a condição de vítima. Segundo ele, a gravação em que detalhou o funcionamento de um dos mais azeitados esquemas de corrupção foi uma armação com motivação política. "Se não fosse eu, seria outro funcionário", disse Marinho. Ele contou ao delegado Luís Flávio Zampronha de Oliveira que seu interesse na conversa era consolidar uma parceria que lhe desse trabalho depois da aposentadoria, daqui a dois anos. "Era uma oportunidade de negócio para o futuro. Nunca se falou em valor. Só no final é que entregaram o dinheiro", disse.

Não conseguiu explicar por que um dos arapongas lhe deu R$ 3 mil que, segundo um de seus advogados, era um adiantamento para um trabalho de consultoria que ele prestaria à multinacional. Ontem Marinho disse que pretende doar o dinheiro a uma instituição voltada para combater o câncer infantil. Ele voltou a garantir que não tem relação de amizade ou proximidade política com o deputado Roberto Jefferson, com quem diz ter se encontrado formalmente três vezes. Segundo ele, as pessoas que o gravaram devem ter usado identidades falsas, mas deram os nomes de "Goldman" e "Vitor". Antes, houve duas conversas; na terceira ele teria sido gravado.

Marinho afirmou que tem condições de identificar os arapongas. Seu advogado, José Ricardo Baitelo, garantiu que Marinho não conhece o "Comandante Molina", mas não descartou a hipótese de que um dos visitantes da sala de Marinho tenha sido o capitão da reserva da PM mineira José Fortuna Santos Neves.

Marinho prestou depoimento durante oito horas. Alertado de que podia usar a lei de proteção a testemunhas - a chamada "delação premiada" - para entregar o esquema de corrupção que a Polícia Federal suspeita existir nos Correios e outros órgãos do governo federal. Marinho disse que não tinha conteúdo para colaborar com tal nível de investigações.

Depois do interrogatório, cansado e com fome, Marinho conversou com a imprensa e procurou passar a imagem de ingênuo. "Fui levado pela confiança e iludido na boa fé. Em nenhum momento houve as coisas de corrupção nos Correios, que aparecem na fita divulgada. O que eu falei foi mais bravata. Disse coisas que não deveria dizer. Fiz autopromoção", afirmou. Garantiu que não vai transferir responsabilidades para ninguém e insinuou que houve orquestração política na gravação, mas não sabe apontar a quem interessaria o escândalo.

"Fui vítima de uma armação devidamente arquitetada por mais de dois profissionais, durante mais de dois meses", contou, depois de afirmar que se sentia envergonhado por ter causado transtornos à empresa.

O advogado Baitelo afirmou que cabe à Polícia Federal investigar a suposta motivação política que estaria por trás da gravação e da divulgação que provocou a criação da CPI no Congresso.

Ele explicou que os rumores de que a fita de vídeo seria obra da direita militar, de partidos de oposição ou em alguém interessado em desgastar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passaram de impressões pessoais que trocou com funcionários da Polícia Federal durante o desenrolar do depoimento de Marinho. Baitelo acha que "existe um interesse bem maior" por trás da história que envolve seu cliente.

Marinho afirmou que não vai se ausentar de Brasília e que estará à disposição da polícia e da Justiça para esclarecer o caso, sempre que for intimado a prestar depoimento. "O crime em que ele foi indiciado não existe. Quem é o agente, a empresa, a licitação fraudada que ele participou ou o objeto negociado?", diz o advogado Sebastião Coelho da Silva, que também defende Marinho.

NÃO CONVENCEU

O delegado Luís Flávio Zampronha, responsável pelas investigações sobre as suspeitas de corrupção nos Correios, disse ontem que a Polícia Federal não está convencida da versão apresentada pelo ex-chefe de departamento Maurício Marinho. A PF vai agora checar minuciosamente o conteúdo do depoimento de mais de oito horas prestado por Marinho. O delegado não quis entrar em detalhes para não atrapalhara apuração, mas afirmou que Marinho caiu em várias contradições, cujo teor será confrontado com dados de uma auditoria que está sendo feita nos contratos da ECT pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Segundo Zampronha, Marinho admitiu que conhece o capitão reformado da PM José Santos Fortuna Neves. A polícia evitou comentar a suposta relação de Fortuna com as denúncias envolvendo Marinho, mas está empenhada em identificar os dois arapongas que estiveram em sua sala, nos Correios, e se apresentaram como Goldman e Vitor, supostos representantes de uma multinacional conhecida pela sigla GE. Goldman esteve três vezes sozinho com Marinho e, no quarto encontro, levou Vitor.

As investigações da Polícia Federal estão apenas iniciando. De concreto, o delegado tem a confirmação, pelas imagens colhidas na fita de vídeo-cassete, que Marinho trata às claras de um suposto esquema de corrupção e recebe uma propina que, embora afirme que era o pagamento por consultoria, é a base de seu indiciamento. Ontem à noite, Zampronha disse que as investigações da CPI do Congresso podem ser uma linha auxiliar, mas explicou que a polícia e o Ministério Público continuarão atuando numa linha independente.

A polícia ouviu também ontem o assessor da Diretoria de Administração dos Correios, Fernando Godoy. Ele negou participação no esquema e disse que não sabe porque Marinho citou seu nome na gravação. "Não sou culpado de nada", afirmou.