Título: França diz 'não' à Constituição e atrasa integração da Europa
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2005, Internacional, p. A11

A França decidiu responder com um "não" à pergunta se aceitava a Constituição européia. O grito das ruas foi nítido. Votaram contra a Carta européia 54,87% dos eleitores, deixando para o "sim" apenas 45,13% dos votos. A decisão de um dos países fundadores do projeto europeu e um dos dínamos da integração lança a Europa num período de incertezas. As conseqüências políticas serão imediatas para a França e para a União Européia. Teme-se que o resultado exerça grande influência no referendo que se realiza na Holanda, depois de amanhã. Logo após o anúncio do resultado, o presidente francês, Jacques Chirac, dirigiu-se à nação reconhecendo a vontade do popular e anunciando uma mudança de governo nas próximas horas ou dias. Chirac se disse convencido da necessidade de dar um novo impulso ao governo. Ao que tudo indica, Dominique de Villepin, atual ministro do Interior, substituirá o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, que participou ativamente da derrotada campanha pelo "sim".

O presidente da Comissão Européia, o português, José Manuel Durão Barroso, mostrou-se decepcionado, mas manteve a calma: "A Europa continua." Segundo ele, as instituições funcionam normalmente. Durão Barroso admitiu as dificuldades, mas disse estar confiante de que o projeto europeu voltará a avançar. Em Bruxelas, cidade onde fica a sede da Comissão Européia, o braço executivo do bloco, dirigentes reafirmaram que dificilmente o tratado poderá ser renegociado.

Chirac fez questão de ressaltar que o resultado não altera a posição de seu país na UE. Confirmou que a França permanece integrada ao bloco e vai continuar respeitando todos seus compromissos.

Em cerca de duas semanas, Chirac deve participar da reunião do Conselho Europeu. Numerosos defensores do "não", entre eles os líderes da direita, Phillipe de Villiers e Jean-Marie Le Pen, solicitaram a renúncia do presidente. Pediram que repetisse o exemplo do general De Gaulle, em 1969, quando derrotado no referendo. Dirigentes da esquerda comunista, que também apoiaram a derrota do sim, não pediram a renúncia de Chirac.

A pressão da direita, no entanto, parece não ter dado resultado. Renúncia é algo que não passa pela cabeça de Chirac. Desde o início da campanha pelo sim, o presidente advertiu que, qualquer que fosse o resultado, cumpriria os 22 meses que lhe restam de mandato. Isso, no entanto, não deixa sua posição mais confortável. Parte dos eleitores votaram não para protestar contra Chirac.

Como explicar em detalhes o comportamento dos eleitores franceses? O argumento mais utilizado pelos mais radicais defensores do "não" é a necessidade de uma "ruptura com a Europa de Bruxelas", uma referência ao centralismo. O atual presidente do partido governista União pelo Movimento Popular (UMP), Nicolas Sarkozy, que defendeu a derrota do sim, começou na noite passada a sua campanha presidencial. Aproveitou para falar de uma nova política governamental, especialmente contra o desemprego.

O grande vencedor do plebiscito entre os socialistas foi o ex-primeiro-ministro Laurent Fabius, que apoiou o não. Ontem, ele evitou comparecer à televisão, mas prometeu reaparecer hoje numa entrevista. Seu objetivo é reunir as forças de esquerda, além dos socialistas, também os comunistas, verdes, e até setores da extrema esquerda, para viabilizar sua candidatura presidencial.

Seu grande adversário é o atual primeiro-secretário do Partido Socialista, François Holande, que foi um dos líderes da campanha do sim. Cerca de 40% dos eleitores socialistas votaram sim e 60% não. O principal dirigente do partido já anunciou a convocação de um Congresso para definir um projeto novo que permitirá aos socialistas disputar a eleição de 2007 com chances de vitória contra Sarkozy. Para Holande, os franceses pretenderam manifestar sua condenação ao governo francês , mas "a Europa foi injustamente considerada responsável".