Título: 'A nota do governo é muito baixa'
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/05/2005, Vida &, p. A14

Aos 81 anos, o geógrafo Aziz Ab'Sáber afirma que não poderia fazer tantas viagens à Amazônia. "Mas faço e farei até morrer." É dele, um dos principais estudiosos da maior floresta tropical do mundo, que vêm duras críticas à política ambiental do governo. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) justifica que o desmatamento poderia ter sido maior porque houve um crescimento econômico da ordem de 5%. O sr. se convence com a explicação?

Quem não tem ética com o futuro e capacidade de pensar em diferentes níveis e profundidades de tempo deixa que a devastação aconteça. E aí justificam: "Estatisticamente aconteceu por isso." Só que o "por isso" é a conjuntura da economia de fazendeiros, madeireiros e agricultores em ganhos imediatos. O futuro que se dane.

Onde o governo erra?

Há que se pensar num governo capaz de ter um conjunto de estratégias para questões nacionais, regionais e setoriais. Temos um esforço para pensar o internacional, mas com excesso de visitas e pouco cuidado com o regional. Os membros do segundo escalão do governo Lula deveriam ter um melhor conhecimento dos fatos. A Amazônia é uma área quente e úmida e está sob uma invasão capitalista. É preciso pôr isso na cabeça dos governantes. Houve uma invasão permitida pela ignorância dos governos que sucederam desde a construção da Belém-Brasília, depois a Transamazônica e as outras estradas.

Quem promove a invasão?

Foram vários ciclos sucessivos. Primeiro a agropecuária, depois as madeireiras, logo agora a soja e no intervalo de tudo isso os negócios amazônicos. E o governo não tem noção do que seja isso.

O governo tem medo, interesses particulares ou não sabe como atuar em áreas de conflito como no sul do Pará?

No Brasil se esboçaram dois Estados paralelos, perigosíssimos e que precisam de uma atenção estratégica. A região do narcotráfico no Rio e a Terra do Meio. Não vou dizer quais são as soluções, porque não adianta perante o ideário vigente na administração federal. Eles (o MMA) só respeitam o planejamento estratégico pagando muito para imbecis.

Este governo criou 7,7 milhões de hectares de unidades de conservação, parte para frear a fronteira agrícola. É uma solução?

No caso de algumas reservas particulares pensadas em termos de uma exploração auto-sustentável, a situação mudou muito porque estavam inseridas dentro de um corpo territorial contínuo. Com a devastação, a coisa mudou. As reservas extrativistas que tentaram ser organizadas sozinhas não valem muito. Nem para a economia regional, nem para o futuro.

Qual a sua avaliação do MMA?

Não posso dizer porque teria de me referir a nomes, a ignorantes dentro do MMA que não conhecem a Amazônia. Fazer concessões de Flonas (Florestas Nacionais) para ONGs estrangeiras... Deus meu, que ignorância. Alugar por 30 ou 60 anos é uma das mais terríveis propostas contra a soberania brasileira na Amazônia. Poucos dos que fizeram a estupidez estarão vivos para responder por seus projetos esgarçados.

Qual é o risco?

As Flonas poderão ser exploradas sem que haja gerenciamento real, vão trabalhar explorando madeiras porque alugaram e pagaram. A conjuntura internacional está de olho numa região de um país imenso como é o Brasil e parece que os governantes não têm idéia disso.

Até que ponto a internacionalização da Amazônia o preocupa?

Se não houver esclarecimento e conhecimento integrado, uma política estratégica para gerenciar a Amazônia e impedir qualquer embrião de Estado paralelo, estaremos com a nossa soberania ameaçada permanentemente.

O sr. tem alertado o governo?

Um dia a dona Marina (Silva, ministra do MMA) teria dito que precisava forçar o encaminhamento da concessão de Flonas, e alguém disse que precisavam consultar o doutor Aziz. Ela disse: não dá tempo de convencer o doutor Aziz. É assim que funciona. Se fosse citar nomes, meu Deus, (o secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo) Capobiancos, Tassos Rezendes (gerente de projetos) e outros que estão lá. Dentro do Ibama há grandes problemas. Não existe política estratégica capaz de gerenciar todo esse caos.

O sr. tem mais preocupação com a pressão de grileiros, madeireiros e fazendeiros ou a de ONGs?

Tenho impressão de que as ONGs deixaram de ser organizações não-governamentais para ser governo. É o caso do MMA. O marido da dona Marina Silva (Fabio Vaz de Lima) foi presidente das ONGs amazônicas. Tenho receio das ONGs, tanto as internas quanto as externas, que nunca entenderam o mundo tropical e, dentro do tropical, um país como o Brasil, com um espaço regional diferenciado.

O sr. é partidário da tese de buscar desenvolvimento mantendo o máximo da floresta intacta...

Pensar um desenvolvimento com o máximo de floresta em pé significa o máximo de biodiversidade conservada e in situ. Passei pelo Estreito de Breves (no Pará), numa das caravanas da cidadania (organizadas pelo então candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva). Uma madeireira na região desenrolava troncos gigantes para fazer placas e vender para o exterior. Uma delas tinha 1 metro e 65 centímetros de diâmetro. Aí comecei a contar os anéis de crescimento e tive de parar. Ia dar uns 500, 600 anos. E há brasileiros que dizem "pode cortar uma árvore se plantar uma outra". Estamos no campo da ignorância.

Como estudioso da Amazônia, que nota daria ao governo Lula na questão ambiental?

Olha, não quero ferir a dona Marina e não quero ferir o governo Lula, mas a nota é muito baixa.