Título: Transplante celular pioneiro regenera coração
Autor: Evandro Fadel
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2005, Vida&, p. A18

CURITIBA - O Laboratório de Engenharia e Transplante Celular, do Núcleo de Miocardioplastia Celular da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, está desenvolvendo uma técnica de recuperação do coração lesado que usa duas células diferentes do próprio paciente, cultivadas em laboratório juntas. O método foi aplicado no primeiro paciente humano e os resultados preliminares animam o grupo de pesquisadores, que acreditam ser uma alternativa ao transplante cardíaco. O cardiologista Paulo Roberto Brofman, professor da PUC e pesquisador do laboratório, explica que o método utiliza células musculares e células-tronco adultas para regenerar o músculo cardíaco e formar novos vasos sanguíneos, essenciais para que o tecido do coração seja alimentado.

A equipe de pesquisa, que começou a trabalhar em 2002, recebeu neste ano da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa, do Ministério da Saúde, a autorização para testar a técnica em dez pacientes. O primeiro deles, J.L.V., de 40 anos, morador de Joinville (SC), apresentava seqüelas de um enfarte do miocárdio e foi tratado há 20 dias. "Ele está muito bem", afirma Brofman. "No primeiro exame de pós-operatório, já deu sinais de recuperação da função contrátil na área da cicatriz, o que demonstra a possível assimilação do coração por essas novas células transplantadas."

Brofman acredita que nos próximos seis meses já estará concluída a chamada fase de segurança da pesquisa, com a apresentação dos resultados do procedimento realizado nos dez pacientes para a comissão de ética. Depois, eles esperam expandir o trabalho para um número maior de pessoas, abrindo espaço para a participação de outras instituições médicas interessadas "para que possa ser adotado como mais um dos tratamentos oferecidos para a insuficiência cardíaca".

LONGO PROCESSO

A nova terapia celular tem sido desenvolvida desde o início dos anos 1990 por pesquisadores como o cardiologista paranaense Márcio Scorsin, que realizou experiências na França, onde trabalha. Ele utilizou células do músculo esquelético, retirado da perna de um rato, que tem capacidade de se regenerar. Em laboratório, as células foram isoladas e multiplicadas para posteriormente ser injetadas na região lesada do coração do animal.

Os bons resultados obtidos na regeneração do músculo cardíaco permitiram que, em 2000, o comitê ético francês autorizasse experiências com humanos. Na mesma época, a pesquisa com células-tronco começava a despontar no tratamento de cardiopatias.

As células-tronco possuem a capacidade virtual de formar qualquer tipo de tecido do corpo humano. Contudo, durante testes para a formação do tipo cardíaco, só uma pequena porcentagem dessas células cumpriu a função, explica Brofman. No entanto, elas criavam novos vasos sanguíneos no órgão.

"Como são fundamentais os dois componentes - regeneração do tecido muscular e novos vasos -, tivemos a idéia de uni-los", diz. A célula-tronco é obtida da medula óssea do paciente, que vai resultar na formação dos vasos cardíacos, e a outra vem de uma biópsia no músculo da perna, que possibilitará o retorno da função contrátil.

Em laboratório é realizada a co-cultura para que ambas se multipliquem em conjunto. "Na literatura não há nada publicado sobre esse método", afirma Brofman.

A insuficiência cardíaca é um quadro clínico que pode decorrer da falta de capacidade de as células do músculo cardíaco se reproduzir e substituir as lesadas por enfartes, doenças inflamatórias ou mal de Chagas (que provoca a dilatação do coração). Nessas condições, o órgão tem a função contrátil comprometida, o que dificulta o bombeamento do sangue para o corpo.

"O tratamento que nós chamamos de 'padrão ouro', nesse caso, é o transplante cardíaco", diz Brofman. Contudo, ele lembra que no Brasil, País em que aparecem 240 mil casos de insuficiência cardíaca por ano e onde são realizados apenas 150 transplantes no mesmo período, se torna urgente a busca de uma alternativa. No mundo, a situação não é diferente: calcula-se em 25 milhões o acréscimo anual de pacientes com esse quadro clínico, dos quais apenas 3 mil conseguem um órgão para transplante.

Problemas cardíacos são a quarta causa de internamento no Sistema Único de Saúde (SUS), consumindo R$ 260 milhões dos cofres públicos anualmente, e respondem por 35% dos atestados de óbitos. "A maioria dos pacientes fica à mercê de tratamento clínico, que é muito eficiente, porém não resolve a causa-base, que é a falência do coração", lamenta Brofman. "Mas nós acreditamos que o transplante celular também ajuda."