Título: Infra-estruturas e crescimento
Autor: Josef Barat
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2005, Economia, p. B2

Como os rumos da economia continuam a ser ditados pelas reuniões do Copom, vale a pena o lembrete um tanto inconveniente. O banco central norte-americano vale-se da taxa de juros como instrumento de política monetária, para exercer o controle integrado de três variáveis: crescimento, emprego e inflação. A ação intervencionista sobre os juros se fundamenta na concepção de que as perspectivas econômicas do país se apóiam nesse tripé. Entre nós, a intervenção nos juros se reduz ao controle de apenas uma variável: a inflação. O que explica o permanente estado de instabilidade, pois temos como apoio apenas um pé. Claro que, para um país que viveu décadas de descontrole inflacionário, manter a estabilidade da moeda é um objetivo primordial. Mas sustentar os juros em níveis sem paralelo no mundo pode implicar ameaças maiores de desagregação social, por negligenciar as duas outras variáveis: crescimento e emprego. Mas aí já saímos do terreno da economia para o da ciência política, pois as soluções para situações tão complexas transcendem o conhecimento dos economistas. São mais perceptíveis para a visão ampla de estadistas. Enquanto os juros sobem em função da pressão dos preços administrados pelo próprio governo, o medo do retorno da "velha senhora" paralisa as ações do Executivo e reduz o potencial de investimentos e o crescimento sustentado.

As infra-estruturas foram afetadas duramente por essa paralisia, em especial os sistemas de logística e transporte, energia elétrica e saneamento. Na verdade, há mais de duas décadas se perdeu a visão da contínua expansão e modernização das infra-estruturas como instrumento de promoção do crescimento e de correção de distorções econômicas e sociais. O desmoronamento do Estado desenvolvimentista decorreu da crise fiscal e da redução drástica da capacidade de financiar os investimentos públicos, pelo colapso dos mecanismos tradicionais de aporte de recursos. Após um ciclo de cinco décadas de expansão da oferta, a queda nos investimentos se estendeu pelos anos 1990. A ênfase recorrente nas políticas de curto prazo diminuiu a importância do planejamento de longo prazo, das estratégias de crescimento e da formulação de políticas públicas consistentes para as infra-estruturas. Somou-se, ainda, a incapacidade de estabelecer um novo pacto federativo, tendo em vista uma ampla reforma fiscal.

Entre os exemplos mais gritantes das graves conseqüências para as infra-estruturas se podem citar: 1) A insuficiência na geração de energia elétrica, que causou "apagões"; 2) o estado deplorável das rodovias, que elevou a insegurança e os custos operacionais do transporte; 3) a ineficiência portuária, que onera as exportações, reduzindo a sua competitividade; e 4) a degradação das condições sanitárias, que avilta a qualidade de vida. Ocorre que, apesar das restrições impostas pela estagnação econômica prolongada, houve, em muitos setores da economia, avanços extraordinários pela incorporação de novos padrões de gestão e novas tecnologias ao processo produtivo. Isso resultou de um esforço contínuo de empresários e trabalhadores, que não dependeu, em geral, de planos ou iniciativas governamentais. A produção física cresceu, criaram-se, direta e indiretamente, milhares de empregos e se fez a prosperidade de centenas de cidades. Alteraram-se as cadeias produtivas, assim como as logísticas de abastecimento e escoamento e surgiram "clusters" de especialização. As infra-estruturas de apoio, porém, não acompanharam essas mudanças.

Daqui para a frente, o caminho possível passa, primeiramente, pela racionalização das aplicações dos recursos públicos, por meio de programas que 1) gerem sinergias entre os diversos segmentos infra-estruturais envolvidos e 2) integrem as ações dos três níveis de governo, valorizando da forma mais elevada o espírito federativo. Em seguida, passa pelo envolvimento da iniciativa privada em programas conjuntos de melhorias e novos investimentos por meio tanto de concessões de longo prazo como de parcerias confiáveis e duradouras. São programas articulados que englobarão desde providências ou pequenas obras que garantam melhorias operacionais imediatas até a execução de projetos de grande porte, estruturadores do processo de ocupação territorial. A perspectiva básica desta concepção é, antes de tudo, a da complementaridade e integração entre as ações de planejamento, fixação de prioridades e execução de projetos pela União, pelos Estados e municípios. A iniciativa privada prestará a sua colaboração nas atividades em que pode (e deve) suplementar ou substituir a ação governamental.