Título: Paz, prosperidade e direitos humanos
Autor: Carlos Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

Em setembro, os líderes mundiais irão a Nova York para participar da cúpula que avaliará os progressos alcançados na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, acordados em 2000 pelos Estados membros das Nações Unidas. Será um momento-chave tanto para o sistema internacional como para a própria ONU. Após 60 anos de sua criação, a organização passa por um momento de reforma sem precedentes. O secretário-geral Kofi Annan, no seu relatório de 2002 sobre a reforma da organização, afirma que ¿as Nações Unidas existem não apenas como uma memória estática das aspirações de tempos passados, mas como um trabalho em progresso ¿ imperfeito, como todos os esforços humanos ¿, embora capaz de adaptação e melhora¿.

A adequação da organização à nova realidade vem acompanhada de um novo contexto nas relações internacionais. Num mundo como o atual, onde as ameaças e os desafios que afetam um país afetam os demais, as respostas devem ser coletivas. A Declaração do Milênio, de 2000, é a resposta internacional às prioridades de desenvolvimento definidas conjuntamente.

Para alcançar essa agenda internacional tanto os países quanto as Nações Unidas precisam se adaptar. Em março deste ano, o secretário-geral lançou o seu relatório Um Conceito mais Amplo de Liberdade. O nome do documento provém da Carta das Nações Unidas, em que consta o objetivo de ¿promover o progresso social e melhores condições de vida numa mais ampla liberdade¿, o que significa a defesa dos direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento. Os princípios fundadores das Nações Unidas continuam plenamente vigentes. O apelo apresentado por Kofi Annan tem, claramente, ressonância em qualquer parte do mundo. Aplica-se a todas as pessoas, sejam elas cidadãs de Londres ou Nova York, que temem ataques terroristas, sejam moradoras das favelas da América Latina e da África, onde a fome, as doenças e os conflitos civis constituem os desafios imediatos.

O relatório apresenta um pacote de propostas concretas para enfrentar problemas comuns e para adaptar as Nações Unidas às novas ameaças e aos desafios internacionais. Segundo Kofi Annan, o documento propõe uma estratégia abrangente que garante tratamento eqüitativo aos três principais propósitos da organização: desenvolvimento, segurança e direitos humanos, fundamentados por um Estado de Direito.

As principais propostas do relatório se dividem em quatro temas. O primeiro, que trata de desenvolvimento, indica que os países desenvolvidos devem aumentar a ajuda oficial com esse objetivo, principalmente para cumprir a promessa de alcançar 0,7% do produto interno bruto destinado a tal fim, até 2015.

Já os países em desenvolvimento devem implementar planos de ação nacionais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, assim como fortalecer a governabilidade e combater a corrupção. Ainda como peça-chave do desenvolvimento, o relatório defende a necessidade de estabelecimento de um marco internacional mais inclusivo para a estabilização das emissões de gás de efeito estufa, além do prazo previsto para a implementação do Protocolo de Kyoto, em 2012.

O desenvolvimento será real sempre e quando as pessoas não estiverem ameaçadas pela violência e pela guerra. A segurança internacional é o segundo tema do relatório, que propõe várias linhas de atuação, tais como a criação de uma convenção internacional abrangente contra o terrorismo, baseada numa definição clara e consensual; a assinatura de um tratado internacional para reduzir os riscos de proliferação dos materiais nucleares; e a criação de uma Comissão das Nações Unidas para a Construção da Paz, no âmbito do Secretariado.

A defesa dos direitos humanos aparece como a terceira linha de ação do relatório, sem a qual as outras duas estariam incompletas. O secretário-geral propõe a substituição da Comissão de Direitos Humanos por uma entidade menor e com mais poder, denominada Conselho de Direitos Humanos.

Além disso, recomenda aos Estados membros assumir a ¿responsabilidade de proteção¿, como base numa ação coletiva contra o genocídio, a limpeza étnica e os crimes contra a humanidade. A última proposta de Kofi Annan, nesta terceira área, aponta para a necessidade de se criar um Fundo para a Democracia que proporcione recursos e assistência técnica aos países que estão em via de estabelecer ou que querem fortalecer a democracia.

E, por último, as Nações Unidas precisam se adaptar às novas ameaças e aos desafios do mundo atual. Portanto, a ONU deve mostrar, de forma transparente e aberta, que seus princípios continuam servindo às prioridades dos Estados membros e de suas populações. O secretário-geral oferece no seu relatório várias propostas para que a organização seja o instrumento por meio do qual seus Estados membros adotem estratégias comuns para responder aos desafios descritos.

Kofi Annan pede aos chefes de Estado e de governo a adoção de um pacote abrangente de reformas que revitalizem a Assembléia-Geral. Propõe ainda que o Conselho de Segurança represente a comunidade internacional do século 21. O secretário-geral indica também a necessidade de fortalecer o Conselho Econômico e Social, para a realização e implementação de políticas coerentes para o desenvolvimento.

A comunidade internacional passará por um momento de reflexão importante na cúpula de setembro e as oportunidades oferecidas por este processo não podem ser desperdiçadas. Em sua mão está a possibilidade de aproveitar a ocasião para fortalecer o consenso internacional para a construção da paz, da prosperidade e para a proteção dos direitos humanos.

É tempo de agir.

Carlos Lopes é representante da ONU e do Pnud no Brasil