Título: Gil diz que fumou maconha até 50 anos
Autor: Patrícia Villalba
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2005, Nacional, p. A10

Entre os tantos temas abordados em mais de duas horas de sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, causou frisson na platéia ao se posicionar positivamente, e de maneira enfática, à descriminalização da maconha. O assunto veio à tona quando chegou à mesa de entrevista uma pergunta escrita, vinda da platéia. "Eu vou mudar um pouco esta pergunta, ministro, porque me parece um tanto agressiva", enunciou o mediador, Marcos Augusto Gonçalves. "Não mude, não. Faça agressiva mesmo", rebateu Gil, bem-humorado e desafiador. "O senhor ainda fuma maconha?", leu, então, o jornalista. "Não, parei quando fiz 50 anos", respondeu o ministro, que tem 62 anos. Gil observou que "todo mundo sabe" do seu posicionamento sobre o assunto. Durante seus mais de 40 anos de carreira, ele nunca se furtou a discutir o assunto. "Todo mundo sabe minha posição. Sou a favor da transformação de um problema policial em um problema de saúde", ponderou o ministro. Gil foi preso em 1976 por porte de maconha. Na ocasião, disse ao juiz que a maconha não lhe fazia mal, nem o levava a fazer o mal. Agora, garante que parou, mas continua com o pensamento contundente de que a proibição das drogas leva a males sociais da mais alta gravidade. "Por que ser proibido? Para que tráfico, traficante e toda essa cadeia extraordinária que é gerada pela proibição?", questionou o ministro. "(Com a legalização) o governo poderia fazer políticas de desestímulo ao uso, como é feito com o fumo", sugeriu. "Claro que é difícil, mas ainda assim deve ser recompensador. É um progresso socialmente interessante."

Em meio aos aplausos entusiasmados da platéia, composta de maioria jovem e que contava com a presença do dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa, alguém gritou: "O senhor acha que eles (os usuários) deveriam organizar a 'parada dos drogados'?", em referência à Parada Gay, do último domingo. "Olha, não sei se eles conseguiriam...", brincou o ministro.

Gil foi amplamente cobrado como ministro e integrante do governo Lula. A mudança de planos na criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), o corte brutal no orçamento do Ministério da Cultura, a pirataria de CDs, os boatos de que deixaria o cargo e até mesmo o desmatamento e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, entraram no debate. Mas ele também recebeu defesa de se tomar nota. Zé Celso, ao fim da sabatina, se levantou e com seu característico ar de espetáculo conclamou: "Podemos aproveitar o momento para manifestar nosso apoio a este homem que é o próprio movimento cultural."

BLOQUEIO

Por mais de uma vez, Gil teve a oportunidade de criticar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a quem cabe decidir o descontingenciamento dos recursos do MinC, mas, polido, não o fez. A pasta enfrenta graves problemas com a contenção de recursos. Dos R$ 480 milhões previstos neste ano para o Ministério da Cultura, mais da metade está bloqueado.

A situação deu margem a boatos, nas últimas semanas, de que Gil poderia deixar o ministério. Ontem, ele voltou a garantir que fica e defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diversas vezes. "Pretendo continuar colaborando com o presidente Lula à medida que as dificuldades não forem incontornáveis", disse. ""É preciso deixar claro que essa situação não é novidadeiramente do governo Lula. Nos últimos anos, chegamos a 0,6% do orçamento (da União), que é mais do que havia no governo anterior."

O ministro ressaltou que não lhe interessa "politizar a questão" e que seu trabalho é "convencer os menos convencidos" da importância estratégica da Cultura para o País. Por "menos convencidos" pode-se tomar os membros da equipe econômica.

Questionado se aceitaria ser ministro da Cultura se o convite lhe fosse feito hoje, Gil respondeu: "Sua pergunta leva à conclusão de que eu estou arrependido. Não estou, não". Com a mesma ênfase, disse que não se sente decepcionado com a agenda de governo do PT. "Eu sei que não é fácil conciliar um ideário reformista e revolucionário com o status quo. O deslocamento é muito difícil", ponderou, para citar o amigo Chico Buarque: "Como disse o Chico, ainda que o Lula não tenha atendido a todas as minhas expectativas, eu voto nele de novo."

Ao fim, sabatina já tropicalizada, a pedido da platéia ele pegou o violão. Cantou De Manhã, de Caetano Veloso.