Título: O presidente que o Bird não quer
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2005, Economia, p. B11

O ex-vice ministro da Defesa dos Estados Unidos e principal ideólogo da invasão do Iraque, Paul Wolfowitz, assume amanhã a presidência do Banco Mundial (Bird) em meio a um evidente ceticismo sobre os motivos que levaram o presidente George W. Bush a apresentar seu nome para o cargo. A desconfiança começa entre os cerca de dez mil funcionários da tentacular organização que o ex-professor universitário de 61 anos comandará nos próximos 5 anos. Segundo Sebastian Mallaby, colunista do Washington Post e autor de The World Banker - um cândido estudo sobre os 10 anos da gestão do antecessor de Wolfowitz -, James Wolfensohn, "provavelmente 90% do staff do banco é contra a guerra do Iraque e uma proporção similar considera Bush um cowboy estúpido". Um par de atos de aparente resistência à nova ordem, relatados ontem por Mallaby, sugere os problemas que Wolfowitz enfrentará inicialmente para afirmar sua autoridade. Alguns vice-presidentes simplesmente ignoraram uma recente convocação para uma reunião, transmitida por e-mail por Robin Cleveland, ex-alta funcionária do Pentágono e uma das três pessoas que o novo presidente do Bird trouxe para sua assessoria imediata.

Na semana passada, a alta burocracia da instituição implementou uma importante mudança no organograma sem consultar Wolfowitz, que há mais de um mês dá expediente diário de mais de 12 horas, preparando-se para assumir o lugar de Wolfensohn, que se despede hoje.

Outro indício das reservas existentes no Bird em relação ao novo presidente são as especulações ouvidas nos corredores da organização sobre Shaha Ali Riza - uma funcionária do escalão médio do banco com quem o divorciado Wolfowitz mantém uma relação romântica há alguns anos. Muçulmana, divorciada e feminista nascida na Tunísia e educada na London School of Economics, Shaha tem boa reputação profissional. Até recentemente, ela chefiava interinamente a área de Relações Externas no Bird para o Oriente Médio e o Norte da África.

MUDANÇA DE RUMO

Se a história servir como guia, o mais provável é que, dentro de alguns meses, muitos dos mesmos funcionários que hoje não disfarçam a antipatia por Wolfowitz estarão elogiando a dedicação e energia com que o novo chefe abraçará a missão central do Bird de combater a pobreza no mundo.

Foi o que aconteceu nos anos 70 com o ex-ministro da Defesa dos EUA, Robert McNamara. Em 11 anos à frente do Bird, McNamara trocou sua reputação de arquiteto da guerra do Vietnã - o maior desastre militar americano - pela fama de defensor incansável dos interesses dos pobres em Washington.

Para repetir a proeza, Wolfowitz terá que começar conquistando a confiança da diretoria executiva do banco e de seus funcionários. "Ele é um homem inteligente, sabe que estará inicialmente sob intensa observação e que terá que dar credibilidade, por suas palavras e por atos, ao que disse antes e depois de ser eleito - ou seja, que atuará como um servidor público internacional na promoção da agenda do banco e não como um representante do governo americano incumbido de executar uma agenda do governo Bush", disse uma alta fonte do Bird.

Em entrevista ao Wall Street Journal, na semana passada, Wolfowitz disse que a prioridade número um do Bird, sob seu comando, será o combate à pobreza na África. Ainda em junho, ele sublinhará a escolha fazendo sua viagem inaugural à região. A seu favor, Wolfowitz começa com um mandato para mudar a orientação dos empréstimos do banco contida em um estudo interno de avaliação do desempenho da instituição, recém-concluído.

O trabalho recomenda ao Bird rever suas prioridades e começar a dar mais ênfase a programas voltados diretamente para a promoção do crescimento, incluindo os financiamento de projetos de infra-estrutura, que ficaram relegados ao segundo plano na gestão de Wolfensohn, em benefício de programas de reforma social em educação e saúde, que deram menos resultados do que se esperava na redução da pobreza.