Título: A saída do atoleiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Editoriais, p. A3

Trabalhadores e empresas continuam suportando a maior parte do ajuste da economia, enquanto o governo, para arrumar suas contas, corta principalmente investimentos que ajudariam o País a crescer. Os últimos dados do IBGE são mais um sinal de alerta. No primeiro trimestre deste ano, a produção brasileira foi apenas 0,3% maior que nos três meses finais de 2004. A agricultura foi o único setor com desempenho positivo e a exportação foi o negócio mais dinâmico. O consumo privado encolheu 0,6% e os investimentos, 3%. Mas o consumo do governo - seu gasto de custeio - ficou praticamente estável, com redução de apenas 0,1%. Há algo evidentemente errado e a mensagem dos números é clara: só haverá crescimento seguro, por muitos anos, se o governo podar, para valer, a despesa de custeio. Precisará, para isso, de visão de longo prazo e coragem política. Os números do Produto Interno Bruto (PIB) foram divulgados um dia depois do último relatório das contas públicas. Em abril, o governo, em todos os níveis, economizou mais que o suficiente para cobrir todo o seu gasto, incluída a conta de juros. Graças ao bom desempenho financeiro, caiu para 50,1%, o menor nível desde abril de 2001, a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB. Mas essa boa notícia foi acompanhada de uma projeção desanimadora: mantido o aperto, aquela proporção, no fim do ano, terá subido para 51,3%. Haverá meio de escapar desse atoleiro?

A melhor solução, segundo críticos da política econômica, é baixar os juros imediatamente. Se isso for feito, a despesa financeira do governo tenderá a diminuir e ao mesmo tempo a economia poderá crescer mais livremente. Além disso, com juros menores haverá menor atração para o capital especulativo e o dólar poderá subir, dando maior fôlego aos exportadores.

Como há sinais de recuo da inflação, o ambiente parece favorável a um corte dos juros básicos nos próximos meses. O efeito desse corte nas contas públicas será em parte neutralizado pela alta do dólar, mas o resultado líquido será provavelmente positivo. Mas a questão essencial é outra: o espaço para uma política monetária mais frouxa será limitado, se não houver uma sensível melhora nas contas públicas. A função dos juros tem sido principalmente compensar um desajuste fiscal que não foi eliminado, e que só vem sendo contido graças ao corte de investimentos e à expansão da carga tributária.

Os líderes do empresariado já perceberam essa limitação e deixaram de protestar apenas contra os juros e contra os impostos. É esse o tema da reportagem de capa do número de maio da revista Indústria Brasileira, editada pela Confederação Nacional da Indústria. Os gastos públicos, mostra a reportagem, têm crescido mais que a economia e é duvidoso que o governo tenha força, "ou mesmo vontade, para brecá-los, com a aproximação do calendário eleitoral".

Não basta obter o superávit primário que o governo tem obtido nos últimos anos para pagar os juros, se não houver uma clara perspectiva de equilíbrio das contas públicas num prazo razoável. A redução de juros ficará sempre limitada pela percepção da vulnerabilidade da economia brasileira. A melhor saída é um plano claro e crível de eliminação de todo o déficit público num prazo razoável. Se o governo mostrar a disposição de cumprir esse projeto, cortar os juros será muito mais fácil.

Há obstáculos importantes à diminuição dos gastos de custeio. Eliminar as vinculações legais, por exemplo, será politicamente complicado. Mas, ainda assim, o governo poderá, se tiver disposição e coragem, realizar cortes importantes no custeio, abrindo espaço para o investimento público e para a expansão do setor privado.

Compras por meio de leilões eletrônicos são apenas um exemplo das medidas possíveis. Em São Paulo, esses leilões têm permitido grande economia. O governo federal só agora decidiu recorrer mais amplamente ao sistema, como forma de barrar a corrupção. O processo era subutilizado em Brasília, embora tenha sido introduzido no ano 2000, por meio de uma lei aprovada apesar da oposição do PT. O governo dispõe pelo menos dessa vantagem: se inverter a velha cartilha de seu partido, encontrará facilmente as soluções para boa parte dos problemas. Nelas inclui-se a austeridade fiscal para valer, e não apenas pela metade, como até agora.