Título: Aperto financeiro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Editoriais, p. A3

Tendo recebido de Marta Suplicy as finanças da cidade de São Paulo em frangalhos - a dívida de curto prazo, no valor de R$ 1,79 bilhão é apenas a ponta do iceberg -, não restava ao prefeito José Serra outro caminho que não fosse um regime draconiano de austeridade. Com o limite de endividamento estourado, uma receita orçamentária superdimensionada e a pressão dos credores, à nova administração municipal não bastava seguir a regra básica de só gastar a receita efetivamente arrecadada. Era preciso fazer cortes profundos nas despesas públicas, e foi isso o que o prefeito José Serra fez nos primeiros quatro meses de seu mandato - e certamente continuará fazendo até que as finanças municipais atinjam um ponto razoável de equilíbrio. No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias que o prefeito José Serra enviou à Câmara Municipal, a estimativa de receita, que a administração Marta Suplicy havia fixado em R$ 15,2 bilhões, foi reduzida para R$ 13,5 bilhões. Além disso, foram contingenciados R$ 3,4 bilhões do orçamento de 2005, exatamente o dobro da diferença entre as duas estimativas de receita.

Em quatro meses, a Prefeitura obteve um superávit de R$ 2,003 bilhões, principalmente com cortes em investimentos. Do total de investimentos de R$ 2,008 bilhões previstos para 2005, foram gastos apenas R$ 4 milhões, ou 0,19%. A maior parte do primeiro resultado quadrimestral positivo foi conseguida, portanto, com economias feitas nas rubricas orçamentárias mais fáceis de comprimir. Conhecendo melhor os meandros da burocracia municipal, o prefeito poderá, a partir de agora, começar a fazer cortes mais profundos nas despesas de custeio e, sobretudo, a racionalizar os gastos. A utilização intensiva do sistema de compras eletrônicas, testado com sucesso no plano federal pelo governo Fernando Henrique e no plano estadual por Mário Covas e Geraldo Alckmin, não só agilizará a gestão municipal, como propiciará substanciais economias de recursos públicos.

Com isso, e na medida em que as finanças forem sendo saneadas, a Prefeitura poderá dispor de mais verbas para investimento em infra-estrutura, principalmente aqueles capazes de dar mais dinamismo à economia local, gerando empregos, renda e impostos. Afinal, compreende-se que, numa situação de emergência, a Prefeitura não gaste em quatro meses mais que 4% das verbas anuais previstas para o setor de saneamento, ou que não tenha despendido um único centavo em infra-estrutura urbana - mas essa não é uma situação que possa perdurar indefinidamente numa cidade que tem graves e prementes problemas, como São Paulo.

O superávit acumulado nesses quatro meses produziu um saudável efeito sobre o endividamento da Prefeitura. Em janeiro, o estoque da dívida era de R$ 31,5 bilhões. Com o crescimento vegetativo do quadrimestre, ela passou para R$ 32,6 bilhões, importância que caiu para R$ 30,7 bilhões líquidos, com a apuração do superávit. Isso significa uma redução de 16 pontos porcentuais na relação entre dívida e receita líquidas. De 246% no último quadrimestre de 2004, houve uma queda para 230% em abril. É preciso considerar que o limite de endividamento da cidade de São Paulo está estourado. Pelas normas estabelecidas pela Resolução 40/2001 do Senado, São Paulo não poderia ter uma dívida superior a 176% de sua receita líquida. Para atingir o limite legal, a Prefeitura teria de amortizar R$ 7,6 bilhões até 30 de abril, o que, obviamente, estava além de sua capacidade financeira. Se fosse aplicada uma interpretação rígida da Resolução do Senado e da Lei de Responsabilidade Fiscal, a capital não poderia contratar novos créditos ou receber transferências voluntárias do Estado e da União, e teria de se submeter a um apertadíssimo regime de austeridade fiscal, que praticamente paralisaria a administração. A Secretaria do Tesouro Nacional, no entanto, entendeu que essas sanções só podem ser aplicadas a partir de 2016, desde que os municípios que estouraram o limite de endividamento - e São Paulo é apenas um deles - façam os chamados programas de convergência. No caso da capital, isso significaria obter um superávit primário anual de 4,9%, porcentual superado pelo esforço fiscal feito pela administração Serra.

Esse fato demonstra, sem rebuços, a irresponsabilidade do governo Marta Suplicy na gestão das finanças públicas. Tivesse ela implantado um razoável regime de austeridade fiscal - em vez de gastar o que a Prefeitura não tinha em obras eleitoreiras -, os paulistanos não teriam de apertar os cintos até o último furo.