Título: Vigia flagra arapongas e o presidente dos EUA cai
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Internacional, p. A12

A política americana nunca mais foi a mesma depois de 9 de agosto de 1974, quando Richard Nixon, pressionado por um processo de impeachment, anunciou sua renúncia na TV. E tudo começou como resultado do trabalho de um atento vigia noturno. Em 17 de junho de 1972, o vigilante Frank Wills notou um movimento estranho em uma das salas do edifício onde funcionava o Comitê Nacional do Partido Democrata em Washington e chamou a polícia. Cinco homens - exilados cubanos - foram surpreendidos instalando um complexo equipamento de escuta no local. O escândalo que se seguiria ganhou o nome do edifício que abrigava o comitê democrata: Watergate. A palavra se transformou em referência de infâmia - o escândalo da venda de armas para o Irã para ajudar os contras da Nicarágua virou o "Irangate"; o caso amoroso de Bill Clinton com Monica Lewinsky foi o "Monicagate".

Dois meses depois do arrombamento da sede democrata, o republicano Nixon conquistava o mais esmagador triunfo em uma eleição presidencial dos EUA, vencendo em 49 dos 50 estados. Poucos dias antes da posse, os cinco acusados pela invasão de Watergate se declararam culpados. O caso pararia por aí se dois jornalistas de The Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, não estivessem convencidos do envolvimento de membros da campanha de Nixon.

Pressionado pelas reportagens do Post, Nixon retomaria o inquérito sobre o caso Watergate em abril de 1972, dias antes da renúncia de três de seus principais assessores na Casa Branca: H.R. Haldeman, J.D. Ehrlichman e John Dean III. O cerco se fecharia de vez com a abertura de audiências no Senado sobre o caso.

Woodward e Bernstein alimentavam as mais de 200 reportagens sobre Watergate com as informações de uma fonte misteriosa, que ficou conhecida apenas como Garganta Profunda - nome de um filme pornográfico de grande sucesso lançado na época. A identidade da fonte só era conhecida pelos dois e pelo editor-chefe do jornal, Ben Bradlee.

Ao crime de invasão da sede do comitê democrata se somaria o de obstrução da Justiça, pelo qual vários assessores de Nixon foram indiciados. E foi por esse suposto delito que a Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes iniciou, em maio de 1974, um processo que poderia levar ao impeachment do presidente. Em 24 de julho, a Suprema Corte determinou que Nixon apresentasse gravações secretas de suas conversas na Casa Branca, nas quais havia indícios das manobras de obstrução e evidências de falso testemunho. Numa das gravações, Nixon ordenava ao vice-diretor da CIA, Vernon Walters, que dificultasse as investigações de Watergate. O presidente estava em xeque. Em 9 de agosto, Nixon renunciou, passando o poder ao vice, Gerald Ford.

Revelada a identidade do Garganta Profunda, Watergate deixa outros mistérios. Não ficou claro, por exemplo, se a renúncia de Nixon envolveu algum acordo judicial para que o caso não fosse adiante.