Título: 'Sou o cara que chamam de Garganta Profunda'
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Internacional, p. A12

W. Mark Felt, ex-número 2 do FBI, de 91 anos, disse à revista Vanity Fair que é o Garganta Profunda, a fonte supersecreta que ajudou os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, a apurar o episódio de abuso de poder na Casa Branca que entrou na história, em 1972, como o escândalo de Watergate e forçou o presidente Richard Nixon a renunciar, dois anos mais tarde. "Eu sou o cara que costumavam chamar de Garganta Profunda", disse Felt ao advogado John D. O'Connor, autor do artigo na edição de junho da publicação mensal, que começou a chegar às bancas e aos assinantes ontem. "Não creio que ser Garganta Profunda seja algo de que se possa orgulhar", Felt disse a seu filho, Mark Jr., segundo a revista. "Não se deve vazar informação a quem quer que seja."

Nick Jones, um neto de Felt, não pensa da mesma forma. "A família acredita que meu avô é um grande herói americano que foi acima e além do chamado do dever, com grande sacrifício pessoal, para salvar o país de uma horrível injustiça", afirmou Jones. "Nós todos sinceramente esperamos que o país também o veja da mesma forma. Meu avô está satisfeito de estar sendo honrado por seu papel como Garganta Profunda."

The Washington Post confirmou a informação algumas horas mais tarde, pondo fim ao grande mistério político e jornalístico que nas últimas três décadas alimentou incontáveis especulações, vários livros e inúmeras reportagens. A confirmação foi feita por Woodward, hoje editor-chefe adjunto do Post, por Bernstein, que trocou a carreira de repórter pela de escritor depois do Watergate, e pelo ex-editor-chefe do jornal Ben Bradlee, de 84 anos, as únicas pessoas que conheciam o segredo, além do próprio Felt.

"Mark Felt foi o Garganta Profunda e nos ajudou de modo imensurável na nossa cobertura do Watergate", disse Woodward. "No entanto, muitas outras fontes e funcionários nos ajudaram."

Woodward visitou Felt em sua casa em Santa Rosa, Califórnia, em 1999, e conversou meia dúzia de vezes por telefone com uma filha do ex-vice-diretor do FBI, Joan, sobre a possibilidade de um anúncio conjunto, segundo relato que ela fez à Vanity Fair. O encontro do jornalista com o ex-funcionário do FBI foi noticiado na época, suscitou vários artigos e obrigou Felt a desmentir que fosse o Garganta Profunda.

Segundo a Vanity Fair, Woodward manteve o mistério até nas conversas com Joan, ressalvando sempre, no início de cada contato, que "só porque eu estou falando com você, não (significa que) esteja admitindo que ele (Felt) seja quem você acha que é".

A revista informou que a família do ex-alto funcionário do FBI o convenceu de que seu comportamento no episódio do Watergate foi heróico e ele deveria assumir publicamente seu papel de fonte dos dois repórteres do Post. No livro Todos os Homens do Presidente, que Woodward e Bernstein escreveram sobre as investigações (ler na pág. 11), Garganta Profunda é identificado com uma alta fonte governamental que se encontrava periodicamente com Woodward, muitas vezes em estacionamentos no subsolo de edifícios em Washington, para confirmar se o repórter estava seguindo as pistas certas. Bernstein e Bradlee nunca se encontraram com a fonte e o que sabem a respeito é o que Woodward lhes contou.

Felt sempre esteve no topo da longa e cambiante lista dos suspeitos de ser o Garganta Profunda. Ele e outro ex-alto funcionário do FBI, Edward Miller, foram indiciados em 1978 por terem aprovado buscas ilegais contra membros do grupo clandestino Weather Underground durante o governo Nixon. Condenados em 1980, ambos tiveram as sentenças anuladas por um perdão presidencial assinado por Ronald Reagan.

A lista dos candidatos prováveis a Garganta Profunda incluía o ex-chefe de gabinete Alexander Haig, que foi depois secretário de Estado do governo Reagan; o atual chefe da Suprema Corte, William Rehnquist, alto funcionário do Departamento de Estado na época do Watergate; David Gergen, jornalista, professor de Harvard e ex-assessor de presidentes republicanos e democratas, que começou sua carreira no governo Nixon; o ex-secretário da Justiça adjunto Henry Peterson; Pat Buchanan, que redigiu discursos para Nixon e ficou famoso anos depois como comentarista da CNN e candidato presidencial xenófobo; o ex-conselheiro jurídico da Casa Branca Fred Fielding, um advogado que foi assessor de Nixon.

Ao longo dos anos, as recriações de diálogos feitas por Woodward, nos vários livros que escreveu desde Watergate, e sua preferência por não incluir notas de rodapé ou especificar fontes alimentaram especulações de que Garganta Profunda não seria um personagem real. Um estudo baseado em mais de 16 mil documentos do FBI sobre Watergate, que o professor de jornalismo da Universidade de Illinois Bill Gaines conduziu entre 2002 e 2004, confirmara as únicas informações que Woodward dera até ontem sobre seu misteriosa fonte. "Garganta Profunda é real e não um personagem composto", disse Gaines no fim do ano passado.

Dois anos atrás, Woodward e Bernstein reafirmaram legalmente o compromisso assumido com Felt de não revelar sua identidade durante sua vida num acordo de doação de seus arquivos pessoais sobre o Watergate, que assinaram com a Universidade do Texas. Por esse acordo, os documento relativos a Garganta Profunda só poderiam ser abertos após a morte do maior vazador de informações de todos os tempos.