Título: China ameaça Brasil com retaliações
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Economia, p. B9

A China pode adotar medidas de retaliação contra o Brasil se o governo brasileiro impuser salvaguardas contra os produtos chineses. Segundo o cônsul econômico e comercial da China em São Paulo, Zhang Jisan, "a China certamente terá uma estratégia para lidar com uma situação desagradável como a adoção das salvaguardas". "Se o Brasil adotar salvaguardas, a China poderá fazer a mesma coisa", disse Zhang ontem, em seminário promovido pela Câmara Brasil-China de Comércio e Desenvolvimento. "Mas acho que o governo brasileiro não vai nos decepcionar. Eu acredito que o Brasil não vai adotar salvaguardas de forma leviana." Zhang afirmou que a China está em uma situação muito "incômoda" e espera que o Brasil se baseie nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), em vez de ouvir "as reclamações de meia dúzia de empresários."

Mas para Ivan Ramalho, secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, é natural que setores como o têxtil venham a solicitar salvaguardas. "O aumento impressionante das importações da China merece a atenção do governo." As importações brasileiras de produtos chineses explodiram nos quatro primeiros meses de 2005, com uma alta de 58,3% sobre o mesmo período do ano passado. O crescimento ficou bem acima do aumento médio das importações, que foi de 19,6% no período. As exportações, ao mesmo tempo, tiveram um aumento de apenas 3,9%, influenciadas pela queda nas vendas de ferro e soja.

Os principais produtos ameaçados pelas importações chinesas, segundo levantamento do ministério, são os instrumentos de ótica (crescimento de 98,2% nas importações chinesas); vestuário (70,4%), videocassete (267%), suéteres e pulôveres (100,5%), fios sintéticos (285,9%), pneus (655%) e calçados (68,3%).

Os setores de têxteis e vestuário, calçados e instrumentos óticos já estão reunindo documentação para entrar com pedido de investigação. Segundo Ramalho, o governo brasileiro vai publicar neste mês dois decretos regulamentando o uso de salvaguardas contra produtos chineses. Após a publicação, os setores podem pedir a abertura de investigação. Os setores que pedirem a adoção de salvaguardas precisam comprovar com estatísticas oficiais que está ocorrendo um grande crescimento nas importações, que essas importações estão roubando participação brasileira no mercado e causam danos ou ameaçam causar danos à indústria nacional. Se for comprovado dano, a Camex pode adotar salvaguardas - sobretaxas ou cotas.

"A regulamentação das salvaguardas não significa que o Brasil vá aplicá-las", ressaltou Ramalho. Ele também sublinhou que o grande crescimento nas importações da China foi influenciado pelo aumento nas compras de componentes para celulares, insumos da própria indústria brasileira. No primeiro quadrimestre de 2005, houve aumento de 51% na compra de partes de aparelhos transmissores e receptores, 138% nos dispositivos de cristal líquido e 60% nos circuitos integrados.

De acordo com o secretário, a adoção de salvaguardas não implica um compromisso de ajuste nas empresas protegidas. "Não será exigida meta de investimentos ou de exportações como contrapartida à aplicação das salvaguardas", disse. "O setor têxtil no Brasil é competitivo, mas nem por isso deixa de ser prejudicado pelo crescimento abrupto das importações da China", exemplificou.

Paul Liu, presidente da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, condenou as pressões por medidas protecionistas contra a China. "Não aceitamos as salvaguardas da Argentina, porque devemos adotar a mesma posição com a China?".