Título: Denúncia leva Everardo à Justiça
Autor: Vasconcelos Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Economia, p. B13

Os procuradores federais Lauro Cardoso Neto e Valquíria Quixada Nunes ingressaram ontem na Justiça Federal com uma ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. De acordo com os procuradores, Everardo é suspeito de haver livrado a rede McDonald s Comércio de Alimentos Ltda. do pagamento de multas no valor de R$ 78,6 milhões, em 2002. As multas haviam sido aplicadas pelo próprio Fisco entre 2000 e 2001 mas, segundo a denúncia, teriam sido desconsideradas em função de um ato editado pelo então secretário da Receita, mudando o cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). De acordo com o relatório do Ministério Público, o McDonald's havia deduzido, da base de cálculo do IR, 5% a título de royalties, embora as normas da Receita admitissem a dedução de no máximo 1%. Foi, então, baixada uma nova norma, elevando o porcentual para 5%, tornando regular a situação do McDonald's.

O ato de Everardo Maciel, segundo os procuradores, atendeu um expediente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), entregue a ele em mãos com um documento apócrifo, com o título de "dedutibilidade da remuneração paga sob contrato de franquia empresarial". Encaminhado à Coordenadoria Geral de Tributação, o expediente recebeu um parecer favorável da coordenadora da área, Regina Maria Fernandes Barroso, e Everardo editou o "Ato Declaratório Interpretativo" número 2, de 2002, autorizando a dedução de até 5% da receita líquida resultante da venda de produtos relacionados à franquia.

Na mesma ação foram enquadrados Regina, os auditores fiscais Paulo Baltazar Carneiro e Sandro Martins Silva, ex-assessor especial de Everardo Maciel e ainda lotado na Receita Federal em Brasília.

Os procuradores relacionaram o ato de Everardo a uma decisão posterior, da rede McDonald s, de pagar, sem qualquer contrato, mais de R$ 4,4 milhões, a título de uma suposta consultoria, a empresa RPN Consultoria Comércio e Representações Ltda. Logo em seguida, em março de 2002, a mesma empresa repassou R$ 1,5 milhão para outra suposta consultora, a Martins Carneiro, cujos sócios vêm a ser os mesmos auditores Paulo Baltazar e Sandro Martins da Silva.

"Não bastasse a trama (...) o réu Sandro Martins Silva, encontrava-se lotado na Assessoria Especial do Secretário da Receita Federal, o réu Everardo de Almeida Maciel", diz um dos trechos da ação. Os procuradores ressaltam que o McDonald s, numa atitude atípica para uma empresa desse porte, contratou e repassou à RPN _ a empresa pertence a outro denunciado, Jone Perdigão Nogueira _ R$ 4,4 milhões com base num contrato verbal.

Ao explicar a incongruência, o diretor-presidente da McDonald s no Brasil, Marcel Fleischmann, disse que não tinha conhecimento do "fato jurídico" atendido pela RPN, mas afirmou que a rede tinha tido uma "satisfação imensa" com um suposto trabalho feita pela empresa através de "contatos com pessoas certas no Poder legislativo e nos Ministérios".

Outros dois dirigentes da rede, Jandir Araújo, vice-presidente Executivo, e Eduardo Villaça Mortari Júnior, também não souberam explicar por que não há um contrato com a empresa. Na ação, os procuradores anotam que do total repassado à JPN, apenas R$ 1,5 milhão foram localizados nos extratos da conta bancária da Martins Carneiro. O restante do total repassado pelo McDonald s, cerca de R$ 3 milhões, foi sacado da conta da RPN por Jone Perdigão Nogueira, mas desapareceu.

"Haverá a necessidade de se esclarecer o destino da diferença, aproximadamente R$ 3 milhões, não mais incorporado ao patrimônio da RPN", escrevem os procuradores.

O ex-secretário Everardo Maciel disse que o ato por ele emitido estava fundamentado numa lei e num decreto que regula o setor e que tomou a decisão com base num parecer técnico. "Os procuradores não analisaram e nem discutiram o mérito do ato. Não me lembro se houve um pedido de associação. Havia um parecer bem feito, aproveitei e assinei o ato", explicou Everardo. Depois de tomar conhecimento dos detalhes da denúncia, ele disse que a ação "tem natureza fantasiosa" e prometeu que vai à Justiça pedir reparo por danos morais eventualmente causados pelos procuradores.

A Receita Federal divulgou nota esclarecendo que o Ato Declaratório Interpretativo 2 autorizou a dedução de 5% a título de royalties, baseada no artigo 12 da lei 4.131. Essa lei admite dedução a título de royalties de até 5% na base de cálculo do IR. Na nota, a Receita informa ainda que a regra não beneficia só o McDonald's ou as empresas filiadas à ABF, mas qualquer empresa que se enquadre nessa regra.

"Assim, é infundada qualquer vinculação que se tente estabelecer entre os atos normativos editados pela Receita Federal e os supostos recebimentos de valores por empresas de consultoria", conclui a nota.

Na ação os procuradores pedem a perda da função pública de Everardo Maciel e todos os envolvidos, a suspensão dos direitos políticos por um período de oito a dez anos e devolução dos R$ 78,6 milhões aos cofres públicos. Também pede que todos sejam proibidos de negociar com órgãos públicos.