Título: Porta-a-porta da Natura leva 32 mil adultos de volta à escola
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2005, Economia, p. B20

Um dos mais bem estruturados programas de responsabilidade corporativa focados em educação e capacitação de professores, o Crer para Ver, fruto de uma parceria entre a indústria de cosméticos Natura, a Fundação Abrinq e o Ministério da Educação (MEC), já acumula bons resultados com alfabetização de jovens e adultos. De novembro do ano passado para cá, quando passou a abranger a educação de adultos, já foram matriculadas 32 mil pessoas em escolas da rede pública de ensino. A grande força do programa são as consultoras de beleza da Natura, que ficaram incumbidas de pesquisar em suas comunidades pessoas que não tinham concluído o ensino fundamental. A partir dessa etapa de identificação, as consultoras encaminharam essas pessoas às escolas da região com programas de educação de jovens e adultos, com base em uma listagem de mais de 8.000 estabelecimentos de ensino fornecida pelo MEC.

Apesar do pouco tempo em execução, o programa conseguiu sensibilizar as consultoras, que viram nele a oportunidade para levar amigos e familiares de volta aos bancos escolares. É o caso de Adriana Fernandes Nascimento, consultora da Natura em Santa Ernestina, cidade com 6 mil habitantes no interior do Estado. Ela conseguiu matricular 75 pessoas em escolas da região, muitas levadas pelas suas próprias mãos. "Havia gente que tinha estudado comigo no colégio e que teve que abandonar os estudos", conta. "Foi gratificante convencê-las de que podiam voltar à escola".

Acostumada a vender os produtos da Natura no sistema porta-a-porta, Adriana foi além: abordava as pessoas em filas de banco, correio, lotéricas. "Eu procurava saber se alguém tinha algum conhecido que tinha interrompido os estudos", diz.

Professora de formação e envolvida há 15 anos com educação de adultos, a consultora Rosa Veras Braga, de Maracanaú, Pernambuco, teve a proeza de encaminhar 207 pessoas para a escola novamente. "Era uma coisa que eu já fazia, mesmo antes do programa Crer para Ver. Com ele, meu envolvimento aumentou", afirma. Rosa leciona para adultos dentro de um programa do Instituto Paulo Freire, o Mova Brasil, e atualmente é responsável pela alfabetização de 23 alunos, em sua própria casa. Os que progridem no aprendizado são encaminhados para as escolas.

"O mais difícil é quebrar a resistência inicial do adulto e fazer com que ele se mantenha na escola", explica Rosa. Seu engajamento fez com que até o próprio marido, José Raimundo Braga, que era alfabetizado mas não tinha concluído o ensino fundamental, voltasse a estudar. "Ele diz que, se na época que era estudante tivesse o entusiasmo que tem hoje, teria se formado", diz.

Para a gerente de responsabilidade corporativa da Natura, Nelmara Arbex, o segredo da estratégia do Crer para Ver é justamente a adesão das consultoras. "Elas não são simplesmente vendedoras, mas perpetuadoras da cultura da empresa. E são o ponto de conexão com as comunidades", explica Nelmara. A percepção de que a força de vendas da empresa seria um bom canal de divulgação do programa veio com as boas vendas da linha de produtos Crer para Ver - camisetas, canecas e cartões. As consultoras abrem mão dos lucros sobre esses produtos, que são destinados a um fundo que custeia o projeto social. Em dez anos, foram arrecadados em torno de R$ 18 milhões.

Com cerca de 65 milhões de pessoas acima dos 15 anos que não concluíram o ensino fundamental - sendo que 16 milhões têm menos de um ano de estudo - a educação de jovens e adultos é uma das grandes lacunas do sistema educacional brasileiro. O maior desafio é promover a reinserção dessas pessoas nas escolas com projetos de longo prazo, na avaliação do professor Timothy Ireland, diretor de educação de jovens e adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do MEC.

Outra barreira é a falta de capacitação dos professores e de material didático voltado para as necessidades desses alunos. "A escola tem que atender os jovens e adultos com conteúdos específicos, criando pontes com a experiência de vida dessas pessoas", afirma.

Ireland, que é inglês e mora no Brasil desde 1979, tem vasta experiência nesse campo. Professor da Universidade Federal da Paraíba, ele coordenou durante 14 anos um projeto de alfabetização para trabalhadores da construção civil em João Pessoa e vê com bons olhos as iniciativas empresariais para promover a educação de jovens e adultos. "É um despertar crescente das empresas que estão olhando para a realidade do nível de escolaridade dos funcionários e de seus familiares".

Ireland destaca que a elaboração de políticas para o tema cabe aos governos, mas "o envolvimento das empresas é importante, pois o baixo nível de escolaridade é uma responsabilidade de toda a sociedade", afirma. Nelmara Arbex, da Natura, concorda. "Na verdade, a educação de jovens e adultos não é um tema para as empresas cuidarem. Mas podemos contribuir para colocá-lo em divulgação, em evolução".