Título: Reforma emperrada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2005, Editoriais, p. A3

Seguindo uma bem elaborada estratégia de marketing, que contou até com transmissão ao vivo pela Radiobrás, o governo divulgou a segunda versão de seu projeto de reforma universitária. Com 30 artigos a menos do que a versão original, o texto acolheu sugestões enviadas pelos setores interessados, principalmente do setor privado. Mesmo assim, o Ministério da Educação (MEC) já deixou claro que, dependendo das críticas que receber, esse projeto poderá ter uma terceira versão. A idéia do MEC é fazer da reforma um marco regulatório para promover "a qualificação contínua do sistema federal de ensino" e evitar "a mercantilização da educação". A pretensão seria louvável caso o ministro Tarso Genro, fazendo um mea culpa com relação aos equívocos que cometeu na primeira versão, tivesse, na segunda, produzido um texto rigorosamente técnico. Infelizmente, não é esse o caso, pois as concessões ideológicas da versão original foram mantidas na nova versão.

Com o palavreado empolado de sempre, além de dois imperdoáveis erros na grafia do nome da pensadora alemã Hannah Arendt, citada em epígrafe, Genro voltou a falar da "republicanização da universidade como um espaço público e plural de produção do conhecimento e saberes e de diálogo e interação com a sociedade civil". E não desistiu de lembrar a vinculação do ensino superior "ao projeto de nação, como elemento estratégico na busca de um novo modelo de desenvolvimento, central para a consolidação de uma nação soberana, democrática e inclusiva".

Retórica à parte, Genro acolheu basicamente quatro sugestões apresentadas pelos críticos do primeiro projeto. A primeira delas é a inclusão do ensino a distância, que não havia sido tratado antes. A segunda é a recuperação de dispositivos que respeitam a autonomia das universidades públicas estaduais, sugerida pela USP a Uerj. A terceira é a exclusão da criação dos conselhos administrativos e da eleição direta dos diretores das universidades particulares. Por retirar dos controladores dessas instituições a gestão de seu próprio empreendimento, essas medidas eram inconstitucionais. E, finalmente, alterou a política de cotas nas universidades públicas.

A versão original obrigava essas instituições a reservar, assim que a reforma universitária fosse aprovada, 50% de suas vagas para alunos oriundos da rede pública, além de uma subcota para negros e índios equivalente ao porcentual que esses grupos representam no Estado-sede da Universidade. Já o novo texto dá prazo até 2015 para que as universidades públicas possam cumprir essa obrigação, deixando-as livres para decidir como atingirão essa meta, e faz apenas menção genérica a "segmentos sociais e étnico-raciais prejudicados".

Já as demais mudanças não alteram a essência do projeto. No caso dos conselhos comunitários sociais, concebidos a pretexto de permitir que a sociedade civil participe da gestão das atividades acadêmicas, a nova versão afirma que eles só terão função consultiva. De qualquer forma, continua aberto o caminho para que possam ser integrados por quem nada tem a ver com ensino, como sindicatos e movimentos sociais, o que pode levar a um perigoso confronto entre "participacionismo" e meritocracia, no cotidiano das universidades públicas. Nas que são custeadas pela União, a eleição direta para reitor foi mantida, o que deixa o terreno livre para o proselitismo ideológico.

Atendendo a uma reivindicação da União Nacional dos Estudantes (UNE), o projeto vincula 5% dos recursos de custeio das universidades federais a medidas assistencialistas. Elas já mantêm programas desse tipo, mas sem vinculação orçamentária. Por fim, numa iniciativa absurda, o projeto cria condições para que a União possa negociar parte da dívida dos Estados por investimentos em ensino superior, o que pode minar a Lei de Responsabilidade Fiscal. A proposta é tão absurda que a equipe econômica do governo se apressou em vetá-la. "Aumento de despesas públicas só deve ser discutido levando-se em conta o Orçamento, que é o meio adequado para se tratar a questão dos investimentos no setor educacional", afirmou o secretário de Política Econômica, Bernard Appy.

Em suma, comparado com a versão original, o projeto do MEC melhorou. Mas, por continuar sem foco e repleto de concessões corporativas, medidas assistencialistas e conceitos imprecisos, ele ainda está muito longe de promover uma revolução na Universidade brasileira.