Título: 'Vacina não é solução para epidemia'
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2005, Vida &, p. A22

"Como bom suíço, aposto que ele chegará precisamente no horário marcado", disse o imunologista brasileiro Jorge Kalil, anfitrião do colega Rolf Zinkernagel. Dito e feito: eram exatas 9h30 quando Zinkernagel apareceu no saguão do hotel onde está hospedado, em São Paulo. Ele está na cidade para participar, hoje, do II Simpósio Internacional de Imunologia Clínica e Alergia, no Hospital Sírio-Libanês. A organização e o talento lhe renderam o Prêmio Nobel de Medicina em 1996, dividido com o australiano Peter Doherty. Os dois desvendaram o mecanismo usado pelo sistema imunológico para reconhecer as células infectadas, processo básico para que o corpo se defenda de doenças. Apesar de continuar a pesquisar o tema e de presidir a União Internacional das Sociedades de Imunologia, ele avisa: a vacina é um avanço da modernidade, mas não é a única maneira de controlar epidemias, como a da aids. " Tê-la faz que as pessoas não precisem pensar ." Confira a entrevista.

Já houve muita pressão e dinheiro para que fosse desenvolvida uma vacina contra o HIV. Esse movimento perdeu força?

Acho que mais dinheiro é gasto na pesquisa do HIV hoje do que antes. Mas o problema é realmente difícil, então é importante ter esse dinheiro investido. Só que, se você me pergunta o que é preciso para reduzir (a pandemia), eu diria que educar mulheres é o mais importante, porque elas cuidam da saúde. Em segundo lugar, é preciso ensinar métodos de prevenção e, em terceiro, desenvolver antivirais. Só em quarto está a busca por vacinas. É a minha lista, que não é politicamente correta.

O pesquisador Manfred Dierich, da Universidade de Innsbruck, disse que as estratégias usadas para desenvolver uma vacina contra o HIV, que estimulam uma resposta imune, estão erradas. O sr. concorda?

Esse é realmente um grande problema (da pesquisa). Em termos genéricos, temos dois tipos de infecções: o primeiro é o clássico, que acontece na infância, como a pólio, que dispõe de excelentes formas de tratamento. O segundo é do grupo da tuberculose, lepra, malária, esquistossomose, leishmaniose, HIV. Apesar de serem infecções bastante distintas, em comum têm a característica de não matar rapidamente. A pessoa pode viver infectada por 20 e até 40 anos, então a estratégia deve ser diferente. Em termos de pressão evolucionária, a maioria dos infectados sobrevive e a doença atinge a geração seguinte.

É um tipo de coevolução?

É um exemplo clássico. O equilíbrio é mantido porque o hospedeiro não pode eliminar o parasita nem o parasita mata o hospedeiro facilmente. De alguma forma a natureza criou raízes para evitar uma solução fácil. Para a primeira categoria de infecções, há uma resposta eficiente do sistema imunológico. Para a segunda, não.

Por isso é tão difícil desenvolver uma vacina para a aids?

Também. Contra o segundo grupo de agentes infecciosos, dos resistentes, a aproximação terapêutica mais eficiente são os antibióticos ou os medicamentos tóxicos, como os anti-retrovirais usados contra o HIV, e a imunologia faz pouca diferença - nunca, ou bem raramente, ela será a solução do problema. Enquanto isso, poucos reclamam que não temos uma vacina contra a tuberculose, doença conhecida há mais de 150 anos que mata mais do que o HIV. Então, politicamente, a aids é um problema comum, mas devemos lembrar que temos problemas similares também sem solução.

Mais dinheiro deveria ser investido para criar vacinas contra outros tipos de doenças infecciosas, como tuberculose?

Muitos dos tratamentos aplicados são bastante eficazes. E uma vacina não significa uma melhor situação. Tê-la faz com que as pessoas não precisem pensar, nem os pacientes nem os políticos.

A resposta imunológica já foi vista como o melhor caminho para desenvolver estratégias terapêuticas. Hoje, existem pessoas que buscam outros caminhos. Como o sr. vê essa mudança?

Isso é a absoluta verdade. Há, por exemplo, muitas pessoas que não querem mais vacinar seus filhos porque acham que as infecções naturais são melhores. Isso é uma catástrofe. A vantagem da vacinação é reduzir os efeitos adversos da infecção. E essas pessoas argumentam que tudo o que é feito pelo homem, como a vacinação, é por definição ruim. Há quem defenda que devemos ter mais sujeira em nossa vida, porque ela aumentaria nossa resistência a doenças. Bem, precisamos decidir: queremos viver em uma condição higiênica miserável e ter menos alergias ou viver em um mundo de conveniências, que vai custar outros aspectos? Nada é de graça na biologia. Se as pessoas são pobres, trabalham muito apenas para sobreviver, mas querem viver em condições melhores. Se as pessoas vivem em condições excelentes, elas se esquecem por que vivem daquela maneira.