Título: Sujeira no câmbio
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/06/2005, Economia, p. B2

Terça-feira, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Rodrigo Azevedo, afirmou que o atual nível de reservas não é satisfatório e que o Banco Central pode voltar a comprar dólares. Alguns segmentos do mercado entenderam que se tratava de uma dica preciosa e se atiraram às compras. Em apenas dois dias, a cotação do dólar saltou 2,5%. Mas, no terceiro dia, esse pessoal sentiu que não valia a pena esperar até que o Banco Central se dispusesse a trabalhar. E o dólar voltou a perder gás. Ontem caiu 1,19%.

Pode ter havido uma típica operação destinada a tentar ganhar na conversa, sem meter a mão no bolso. Isso acontece com alguma freqüência no mercado internacional: diante do curso indesejado do câmbio, alguma autoridade toma um microfone e sapeca declarações que encorajam o movimento contrário. O problema é que atitudes assim, destituídas de substância, têm fôlego curto e concorrem para o descrédito.

Quando se diz que não existe flutuação perfeita do câmbio e que, ao contrário, a flutuação é sempre "suja", exagera-se a capacidade de intervenção dos governos. A intervenção direta se faz por meio de operações de compra e venda. Se um banco central quer evitar a excessiva valorização de sua própria moeda, compra dólares (ou outra moeda conversível) com moeda nacional.

Mas a capacidade de intervenção dos bancos centrais já foi maior. Hoje, o volume negociado no câmbio internacional é tão alto (de cerca de US$ 1 trilhão por dia) que não há banco central que dê conta do recado. Mais correto é dizer que bancos centrais ainda conseguem interferir nas cotações, mas raramente conseguem inverter tendências. Sujar o câmbio está cada vez mais complicado.

Esta coluna vem recebendo cartas e mensagens eletrônicas quase desesperadas enviadas por pequenos exportadores. Denunciam o achatamento do seu faturamento em moeda estrangeira a cada tropeço do dólar no câmbio interno.

Infelizmente, há pouco o que recomendar. Há pelo menos três fortes razões para acreditar em que a tendência ainda é de queda do dólar no câmbio interno.

A primeira delas é a de que não há sinais de fragilidade nas exportações nem de salto à vista nas importações. Isso sugere que vão continuar sobrando dólares.

A segunda é a de que os fundamentos da economia vão melhorando. Na segunda-feira, o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, anunciava que, em maio, a dívida pública deve ter caído para abaixo da metade do PIB (49,8%). Isso mostra significativa melhora na capacidade de o País pagar seu passivo que, por sua vez, se reflete na queda do prêmio de risco pago nos títulos da dívida externa. O Índice de Risco Brasil caiu 72 pontos em apenas sete semanas: no dia 15 de abril estava a 486 pontos e ontem foi a 414 pontos. A melhora dos fundamentos da economia desencoraja a fuga de dólares e, portanto, sua compra no câmbio interno. Ao contrário, tende a produzir uma valorização do real.

E, terceira, a turbulência externa, que há meses incentivava a fuga do risco e a procura de refúgio junto ao dólar, está se desvanecendo. Esta é mais uma razão para o relativo abandono do dólar no câmbio internacional que se reflete, também, aqui dentro.

Algumas pessoas ainda nutrem a esperança de que o dólar voltará a subir assim que os juros internos forem derrubados. Essa aposta apóia-se na hipótese de que os juros altos estejam atraindo capitais especulativos, concorrendo para o mergulho do dólar. O diabo é que não há essa profusão de capitais entrando no Brasil que mais cedo ou mais tarde voariam de volta e, na passagem, aumentariam a procura de dólares.