Título: Jogadas de alto risco
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Notas & informações, p. A3

A dvertem os políticos que se sabe como as CPIs começam, mas não se sabe como terminam. É o caso de dizer o mesmo da decisão do governo de tentar impedir a instalação da CPI mista dos Correios a qualquer preço. Depois de muita confusão, o Planalto resolveu se pôr em campo para conseguir que a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados considere inconstitucional o pedido de abertura do inquérito, aprovado na semana passada. A inconstitucionalidade consistiria em não ter o requerimento estabelecido um fato determinado a apurar. Na realidade, o texto fala em "investigar as causas e conseqüências das denúncias de atos delituosos praticados por agentes públicos nos Correios", embora as justificativas mencionem indícios de corrupção em outras estatais. Seja como for, o problema não é jurídico, mas político. E o governo diz contar com o voto de 2/3 dos 61 membros da CCJ para aprovar a sua especiosa tese, na reunião do órgão marcada para a próxima terça-feira.

Depois, é provável que o governo se saia bem quando o parecer pelo arquivamento do pedido da CPI for à votação no plenário do Congresso, graças à ampla maioria teórica de que dispõe na Câmara. Para minimizar o perigo de que integrantes da base aliada lhe façam mais uma desfeita - e deixando claro que o Planalto não poupará munição pesada para prevenir novo desastre -, ninguém menos do que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, assumiu pessoalmente a articulação política, substituindo-se aos ministros José Dirceu, da Casa Civil, e Aldo Rebelo, da Coordenação, como revelou ontem o Estado.

Instalado a poucos metros do gabinete presidencial, ele pretende fazer valer suas três credenciais para a nova função: a autoridade derivada de ser ele o mais respeitado ministro do governo Lula, o trânsito fácil junto à grande maioria dos congressistas e, em sintonia com o titular do Planejamento, o aliado Paulo Bernardo, o poder de liberar verbas para emendas parlamentares ao Orçamento. Palocci engajou-se na operação anti-CPI por entender que ela tem o potencial de engendrar uma crise política que daria alento às pressões por mudanças na política econômica.

O argumento tem a sua lógica, mas o papel que o ministro se auto-impôs, em conseqüência, é uma jogada de alto risco. Pela primeira vez, com efeito, o ministro da Fazenda se coloca no centro da arena política, expondo-se aos seus azares e investindo o seu cacife numa empreitada que, ela própria, é já um lance arriscado ainda maior. Pois a derrubada da CPI dos Correios no Congresso teria como contrapartida uma reação contrária de igual ou maior intensidade, do que já se ocupa a oposição, mediante dois movimentos concatenados.

O primeiro será constituir, exclusivamente no Senado - onde a CPI sob ameaça teve o apoio de 52 dos seus 81 membros -, uma nova CPI sobre eventual corrupção nos Correios, no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e na Infraero. Bastarão 27 assinaturas (1/3 dos senadores) para aprovar o pedido. O segundo movimento será reviver tão logo possível a CPI dos Bingos, requerida no auge do Waldogate. A iniciativa obteve as adesões necessárias, mas estancou quando o então presidente da Casa, José Sarney, deixou de indicar os representantes governistas na comissão, depois da recusa dos partidos planaltinos a fazê-lo.

A questão foi parar no Supremo, onde 4 dos 11 ministros já se declararam favoráveis à ação impetrada pela oposição contra o ato de Sarney. A tendência é que a maioria dos demais os acompanhe. Nesse caso, a CPI se consumará. A se confirmarem tais desdobramentos, o tema da corrupção dominará a agenda legislativa, o noticiário e as atenções do público. Isso quando a popularidade do presidente Lula, embora ainda alta, vem caindo de pesquisa para pesquisa; quando mais pessoas criticam do que aplaudem a gestão federal; e quando a corrupção passou a ser a primeira razão de desgosto com o País (citada por 27% dos entrevistados). A tudo isso soma-se o comportamento da economia, que não corresponde à retórica triunfalista do governo.

O Planalto alega que a oposição, com a CPI dos Correios, quer antecipar a luta eleitoral de 2006. Mas não será precisamente esse o efeito, já então agravado, da sua perigosa contra-ofensiva? Daí a conclusão gritante: o Planalto arrisca muito porque muito teme.

N. da R. - O editorial Ética da mão pesada errou ao afirmar que "86% dos brasileiros" apóiam a CPI dos Correios. Na realidade, apóiam o inquérito 86% dos 51% dos brasileiros que se consideram a par do assunto.