Título: 'Pior que antes da Revolução'
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Internacional, p. A13

O Prêmio Nobel de Economia de 1988, Maurice Allais, pregou no deserto durante muitos anos contra a política de livre câmbio praticada pela União Européia. O "não" dado no domingo pelos franceses à Constituição européia é a ratificação de sua tese sobre os perigos da globalização, como ressaltou Allais em uma conversa telefônica mantida com La Vanguardia. Como interpreta o não dos franceses à Constituição da União Européia?

Nós tínhamos de colocar um limite na deriva totalitária da construção européia que se produziu desde 1974 em todos os domínios. O processo de construção européia precisa ser completamente repensado.

Em que ponto, especificamente, Bruxelas errou?

Confundiu o liberalismo com o laissez-faire e o livre comércio. Assim, o artigo III-314 da Constituição européia estipula que, para o desenvolvimento do comércio mundial, a União Européia se encaminhará "para a supressão progressiva das restrições e para os investimentos estrangeiros, assim como em direção à redução das barreiras alfandegárias e outras". Este erro fundamental teve conseqüências devastadoras.

Que conseqüência, por exemplo?

Desde 1974, como resultado da aplicação de políticas de livre comércio, o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto da França se reduziu pela metade. Caso a tendência de crescimento registrada entre os anos de 1960 e 1974 tivesse continuado, o crescimento francês seria hoje o dobro daquele que temos.

Qual é o maior problema do livre comércio?

Não se pode competir com a China, a Índia e outros países cujos salários são dez vezes menores. Uma globalização baseada em salários muito diferentes só consegue produzir greves e redução do crescimento nos países desenvolvidos. A França, com uma taxa de desemprego superior a 10%, encontra-se neste momento em uma situação pior que antes da Revolução Francesa.

E os demais países?

Estão do mesmo jeito. A Espanha, caso se mantenha a cegueira dos políticos, acabará sofrendo os mesmos problemas da França.