Título: Novo golpe na UE: Holanda diz 'não'
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Internacional, p. A13

Apesar de esperado, o "não" holandês provocou um novo choque na Europa. Aconteceu apenas 72 horas depois da rejeição francesa. O resultado final divulgado pela agência holandesa ANP mostra que a vitória do não foi ainda maior do que na França. Ao todo, 61,6% dos holandeses rejeitaram a Constituição (em comparação com 54% dos franceses). Apenas 38,4% votaram a favor. Por tudo isso, o referendo holandês aumentou a crise constitucional européia e lançou mais dúvidas sobre o futuro da Constituição. O tamanho da crise levou o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, a fazer o papel de bombeiro. Durão Barroso pediu aos países membros da União Européia (UE) que não adotem iniciativas individuais sobre uma eventual suspensão do processo de ratificação do projeto constitucional. Uma desistência agora pode ter o efeito de estouro da manada.

Ao todo, nove países aprovaram o texto. O próximo a votar será Luxemburgo - no dia 10 de julho. Até o final do mês passado, as pesquisas indicavam a vitória do sim, mas o vento pode mudar. Os votos francês e holandês têm o potencial de esfriar o pequeno eleitorado luxemburguês, onde também reina um forte descontentamento. Nem mesmo o primeiro-ministro Jean-Claude Juncker esconde sua preocupação.

A Dinamarca marcou seu referendo para o dia 27 de setembro. O primeiro-ministro Anders Fogh Rasmussen não vê motivos para interromper o processo de ratificação da Constituição, apesar do resultado negativo das urnas na França e na Holanda. Na opinião dele, a França e Holanda devem buscar soluções próprias para seus problemas - a exemplo do que ocorreu com a Dinamarca, que rejeitou em 1992 o Tratado Maastricht.

Já chamada como "outro país do não", a Holanda decidiu manifestar sua desaprovação a uma Europa que pretendia "ir rápido e longe demais"e cuja construção estava custando cada vez mais cara. De nada adiantou os esforços do primeiro-ministro Peter Balkenende, que lançou nessa batalha o que ainda lhe restava de credibilidade política. Mesmo com a popularidade em baixa, ele não pretende renunciar, como ocorreu com o colega francês, Jean-Pierre Raffarin.

Os partidos políticos holandeses haviam prometido levar em conta o resultado do referendo consultivo no Parlamento (a quem caberá dar a última palavra sobre Carta), desde que o comparecimento fosse superior a 30%, o que acabou ocorrendo. Votaram mais de 60% dos eleitores inscritos. Se mantiverem a palavra, os deputados holandeses deverão rejeitar o documento.

Uma semelhança marcou a campanha do referendo na França e na Holanda: em ambos os países a classe política e os intelectuais apoiaram a Constituição, enquanto os grupos extremados de esquerda e direita rechaçaram. Já a motivação nos dois países é diversa.

Na França , o desemprego e as reformas impopulares do governo podem ser apontados como causas da rebelião do eleitorado. Parte dos franceses rejeitou a Constituição para dizer que é a favor dos subsídios agrícolas e contra a globalização, temas nos quais os holandeses têm opiniões diametralmente opostas. Mas na Holanda não faltaram motivos para barrar a Constituição. A política de imigração, a sensação de que Bruxelas suga muito dinheiro (a Holanda é o país que mais contribui per capita) e a bronca pelo aumento dos preços causados pelo euro foram suficientes. O desafio de Durão Barroso e dos demais defensores da integração européia é manter a Constituição viva.