Título: Para maioria, Garganta Profunda é herói
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Internacional, p. A16

A julgar pelas primeiras tentativas de medir a reação dos americanos à revelação da identidade do Garganta Profunda, o ex-diretor adjunto do FBI, W. Mark Felt, que revelou à revista Vanity Fair ser a super fonte secreta do Washington Post sobre o escândalo Watergate, foi atendido em sua expectativa de ser visto mais como um herói do que como um vilão por seus compatriotas. Mais de 57% das cerca de 120 mil pessoas que responderam a uma enquete informal feita pela rede CNN, em seu site, disseram que ele mudou o rumo da história.

Os demais expressaram uma visão mais negativa, dizendo que Felt não passará de uma nota de rodapé na história da maior crise política dos EUA, que começou em 1972 e forçou Richard Nixon a renunciar em 1974. Nos vários blogs, as opiniões favoráveis superam as desfavoráveis por margem ainda maior. A reação mais típica de milhões de americanos provavelmente foi refletida pelo colunista Brian Dickerson, do Detroit Free Press, que não passara de 1 ano de idade na época do escândalo que sacudiu os alicerces da república. "W. Mark Felt? Olhe, não se sinta tão mal (por não ter reconhecido o nome). Eu também levei algum tempo para situá-lo", escreveu Dickerson. "Na verdade, a única coisa mais triste do que o sísmico 'o que?' com que nove entre dez americanos reagiram à revelação sobre Felt foi a proporção ligeiramente menor dos que não sabiam do que se tratava quando ouviram falar que ele era o Garganta Profunda." A exemplo de muitos membros de sua geração, Dickerson disse que vê com respeito a decisão do ex-subdiretor do FBI de expor a corrupção e o abuso de poder de Nixon.

Howard Kurtz, o colunista de mídia do Washington Post, arriscou ontem que Felt conta com a simpatia não apenas dos mais jovens, mas da maioria dos americanos de todas as idades. "O Garganta Profunda concluiu que como o Ministério da Justiça (de Nixon, sob John Mitchell) era corrupto, a única forma de expor a história era cochichá-la ao (repórter do Washington Post) Bob Woodward", resumiu o colunista.

O fato de que a maioria dos americanos provavelmente considera Felt um herói não significa, no entanto, que a experiência poderia ser repetida com o mesmo grau de sucesso e compreensão do público nos dias de hoje. "Imagine que o presidente envolvido não fosse Nixon e o ambiente para a mídia fosse o de 2005 e não o de 1972", ponderou Kurtz. "Imagine que um promotor especial estivesse tentando mandar Woodward e Carl Bernstein para a cadeia, como ocorre hoje com Matt Cooper (da revista Time) e Judith Miller (do New York Times), por não revelar quem na administração lhe estava passando informação confidencial."

Segundo Kurtz, "é fácil hoje, 30 anos após o Watergate, enaltecer o Garganta Profunda como um destemido funcionário do governo. Mas, como indica o recente fiasco da Newsweek (que desmentiu uma reportagem sobre a profanação do Alcorão em Guantánamo) e o caso Valery Plame (agente da CIA cuja identificação por fontes da Casa Branca poderá levar Cooper e Miller à cadeia) esta não é a atitude dominante hoje em relação a funcionários do governo que vazam informação".