Título: O mistério do investimento
Autor: Rolf Kuntz*
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2005, Economia, p. B2

O dado mais preocupante do relatório trimestral do PIB é também o mais misterioso. Que diabo está ocorrendo com o investimento? Essa é a questão mais inquietante pelo menos por três razões: 1) não há crescimento econômico sustentável sem a acumulação de meios de produção - máquinas, equipamentos, edifícios e instalações de infra-estrutura; 2) o aumento da capacidade produtiva é um seguro contra a inflação; 3) de imediato, as compras de bens de capital indicam se os empresários estão dispostos a apostar na prosperidade. Estado de espírito é também um fator de crescimento. O investimento, medido pela formação bruta de capital fixo, caiu 3% no primeiro trimestre, segundo o IBGE. A base de comparação, nesse caso, é o trimestre final de 2004. Mas quem foi que puxou para baixo esse número? Os dados trimestrais do PIB pouco esclarecem essa questão, porque são muito agregados. Com uma informação mais detalhada, seria possível uma avaliação mais precisa do ambiente e das perspectivas dos negócios. Há várias hipóteses possíveis.

O investimento pode ter caído principalmente porque os industriais estão descrentes do crescimento econômico, ou, pelo menos, muito inseguros. Nesse caso, terão desistido de comprar máquinas e equipamentos para aumentar a capacidade produtiva.

Mas pode ser que não estejam tão pessimistas e o resultado seja atribuível principalmente ao governo, que não aplicou dinheiro em projetos. Ou, ainda, talvez alguns empresários - do agronegócio, por exemplo - tenham sido muito mais cautelosos do que outros, por causa de problemas setoriais.

Enfim, pode ser, também, e isto parece o mais provável, que todas essas hipóteses, combinadas de alguma forma, componham a resposta verdadeira.

Os dados do PIB trimestral não discriminam o investimento do setor público. Esse investimento está embutido, pelo menos parcialmente, nos dados da construção civil. No primeiro trimestre, a construção ficou apenas 0,6% acima do nível de um ano antes. Pode-se imaginar que tenha despencado em relação aos meses finais de 2004. Pelos dados fiscais, é evidente que o governo cortou, no primeiro trimestre, principalmente os gastos com obras. Em conjunto, a construção, pública e privada, representa 60% da conta de investimento medida pelo IBGE.

No relatório trimestral do PIB, o IBGE não discrimina os subsetores industriais. Mas há uma razoável discriminação no levantamento específico da indústria divulgado em maio.

Segundo esse levantamento, a produção de máquinas e equipamentos para uso industrial e comercial, no primeiro trimestre, foi 8,73% maior que a de janeiro a março de 2004.

Parte dessa produção foi exportada, mas há indícios, também, de que a demanda interna desses produtos tenha continuado em níveis razoáveis. Essa hipótese é compatível, pelo menos, com as informações coletadas, nos últimos meses, em pesquisas da Confederação Nacional da Indústria e da Fundação Getúlio Vargas. Essas pesquisas mostraram empresários menos otimistas, mas não dispostos a abandonar drasticamente o investimento.

O mesmo relatório do IBGE apresentou, no entanto, números muito piores dos fabricantes de tratores, máquinas e equipamentos agrícolas. Sua produção, de janeiro a março, foi 29% menor que a do primeiro trimestre do ano passado.

A explicação não é muito difícil. No começo do ano, cotações de vários produtos agrícolas importantes estavam em queda. O câmbio impunha dificuldades a muitos exportadores do agronegócio. Além disso, a seca no Sul resultou em grandes perdas para milhares de produtores.

Pelos dados da Fiesp, divulgados ontem, as vendas de máquinas e equipamentos da indústria paulista, entre janeiro e março, foram 12,2% superiores às de um ano antes, descontada a inflação. Os números apontam uma tendência de queda, mas os fabricantes, em abril, ainda utilizaram 80,4% da capacidade instalada.

A combinação desses dados pode não ser conclusiva, mas fornece alguns elementos a mais do que o relatório trimestral do PIB. Com base nesses elementos, é possível supor que o quadro seja menos mau do que parece à primeira vista. Do lado empresarial, pelo menos, parece persistir uma razoável disposição de voltar a investir com vigor, a curto prazo, se surgir à frente algum sinal positivo. Os sinais mais esperados, naturalmente, são o fim da alta de juros e alguma recuperação do dólar. Por enquanto, o impulso necessário ao crescimento parece não estar perdido.

*Rolf Kuntz é jornalista