Título: Perigo nuclear é maior hoje, diz McNamara
Autor: Julian Borger
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2005, Internacional, p. A18

Metido numa velha calça de veludo cotelê e num par de tênis surrado, Robert Strange McNamara caminha pelas ruas do centro de Washington como um fantasma de guerras passadas - um fantasma da América lembrando aos governantes do país suas culpas passadas e seus riscos futuros. O ex-secretário da Defesa arrogante que ajudou a atolar os EUA no Vietnã advertiu, há alguns anos, contra a loucura de invadir territórios remotos com inteligência precária e aspirações elevadas de impingir a liberdade com bombas.

Perdida aquela batalha, o veterano de 88 anos dos governos John F. Kennedy e Lyndon Johnson se recusou a desaparecer. Ele agora dedica a vida a alertar os Estados Unidos e o restante do mundo de uma ameaça muito maior com a qual ele já teve muita intimidade - o apocalipse nuclear iminente.

Em seu escritório em Washington, McNamara telefona e rabisca discursos e artigos sobre o tema, em meio a pilhas de pastas e documentos numa vasta escrivaninha de madeira que levou consigo quando deixou o Banco Mundial, do qual foi presidente de 1968 a 1981. Mas de novo McNamara está sendo ignorado por seus sucessores no governo americano.

O armagedon nuclear é um perigo que a maioria das pessoas nos Estados Unidos complacentemente associa à geração da guerra fria de McNamara, agora seguramente relegada a confusas lembranças de jornais e de cinema sobre a crise dos mísseis de Cuba. A missão que McNamara se impôs é dizer que todos estão muito enganados.

"O povo americano e o povo britânico realmente não compreendem os perigos atuais," diz ele, tão apaixonado e convincente como na época em que deixou a Ford Motor Company para trabalhar para John Kennedy, só que muito mais consciente das armadilhas do poder. "Isso é muito, muito perigoso para o mundo. É um problema para o mundo, e o mundo precisa ser atuante, mas não é."

Os perigos, no entender de McNamara, são dois. Primeiro, há a possibilidade de um lançamento acidental enquanto EUA e Rússia ainda possuem milhares de ogivas no gatilho, 14 anos depois do fim da guerra fria. Ele descreve a política de prontidão nuclear como "imoral, ilegal, militarmente desnecessária e, muito, muito perigosa em termos do risco de uso acidental." Segundo, e ainda mais sério, de acordo com McNamara, há um risco crescente de que a rede Al-Qaeda ou algum outro grupo terrorista monte a própria bomba algum dia.

"Durante a guerra fria, havia perigos muito, muito grandes mas o perigo e o risco eram controlados pelos líderes políticos. Agora, o perigo pode estar fora do controle dos líderes políticos." McNamara não é o único ex-chefão do Pentágono preocupado com o rumo em que as coisas estão tomando. No ano passado, o secretário de Defesa de Bill Clinton, William Perry, fez um discurso no qual admitiu ter mais medo da ameaça nuclear do que nunca, e no qual estimava que a chance de uma detonação nuclear em solo americano ao longo da próxima década era 50% maior.

McNamara evita quantificar o risco, mas concorda com Perry, acreditando que a situação atual "é intolerável." Ante o fracasso da conferência internacional para fortalecer o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1970 realizada recentemente em Nova York, McNamara acredita que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, devia assumir o desafio e convocar os violadores do tratado a prestarem contas perante o Conselho de Segurança da ONU. A idéia obteve algum respaldo de Estados membros, mas não, até agora, do mais poderoso, os Estados Unidos, que, entre outras coisas, se recusam a manter antigas promessas de desarmamento como a assinatura feita por Clinton do Tratado Abrangente de Banimento de Testes.