Título: Chacina de bósnios choca a Europa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2005, Internacional, p. A24

A divulgação pela TV de Belgrado de trechos de um vídeo de 10 minutos mostrando a execução a tiros de seis jovens muçulmanos bósnios de Srebrenica, durante a guerra civil da Bósnia (1992-1995), por paramilitares sérvios, chocou ontem os sérvios e a opinião pública européia."Que horror, como isso pode ter acontecido aqui e permanecido tanto tempo escondido?", perguntou Natasa Kandic, dirigente de uma organização de direitos humanos com sede em Belgrado, expressando a indignação e consternação que envolveu a população. O impacto foi o mesmo em toda a Europa. Trata-se da primeira prova filmada de um massacre no continente desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, atribuído, desta vez, não aos nazistas, mas às forças sérvias.

O vídeo foi liberado quinta-feira pelo Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), que o havia exibido no dia anterior no julgamento do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, acusado de crimes de guerra e genocídio. A filmagem é de autoria desconhecida - feita, provavelmente, por um dos participantes da chacina.

Gritando "Andem! Andem! Andem!", os paramilitares sérvios enfileiraram quatro de seis jovens muçulmanos com as mãos amarradas e atiraram neles. Um a um, os quatro foram caindo ao solo. Os dois restantes receberam a ordem de jogar os corpos num campo de cereais próximo. Em seguida, também foram friamente mortos.

Quatro dos seis eram menores, entre 16 e 17 anos. Os outros dois tinham menos de 30.

Os matadores usavam uniforme de uma unidade paramilitar denominada Escorpiões, subordinada, segundo os promotores do TPII, a Milosevic, então presidente da antiga Iugoslávia.

Para um grande número de sérvios, as cenas do massacre desfizeram definitivamente as dúvidas que ainda tinham sobre a política de limpeza étnica (contra muçulmanos e croatas), levada a cabo por seus antigos líderes. Para alguns, no entanto, elas não passam de mais um truque para macular a imagem do país e seus heróis. Entre estes supostos heróis, destacam-se Radovan Karadzic, ex-líder servo-bósnio, e seu ex-comandante militar, general Ratko Mladic (ler ao lado), acusados pelo TPII do extermínio de 8 mil muçulmanos bósnios.

"As imagens comprovam o crime monstruoso praticado contra pessoas de religiões diferentes", reagiu o presidente sérvio, Boris Tadic, anunciando a prisão de dez suspeitos. "Os criminosos andaram entre nós até agora como homens livres", acrescentou indignado.

Apenas quatro dos detidos permanecem encarcerados. Os demais foram liberados.

"É difícil dizer qual a maior derrota: as horríveis cenas da chacina ou os dez anos de recusa deste país em encarar o banho de sangue do passado", lamentou a professora e ativista sérvia de direitos humanos Vesna Rakic.

Em Sarajevo, na Bósnia, Nura Alispahic reconheceu, desesperada, seu filho desaparecido, Azmir, entre os executados. "Vi com meus olhos esses animais o matarem", disse ela em lágrimas. "Ele tinha apenas 16 anos."

A promotora-chefe do TPII, Carla Del Ponte, revelou ontem que dispõe de mais provas filmadas do extermínio de muçulmanos praticado pelo sérvio na Bósnia. Ela voltou a pedir às autoridades sérvias a captura de Karadzic e Mladic.