Título: Drogas sintéticas, a nova onda
Autor: Carlos Alberto Di Franco
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

O uso de drogas ilícitas no mundo vem crescendo, apesar dos esforços mundiais de controle. O aumento no consumo das drogas sintéticas é considerado hoje, pelo Escritório da ONU de Combate às Drogas e ao Crime (Unodc), "o inimigo público número um". Ao contrário das drogas tradicionais, feitas à base de plantas, as drogas sintéticas são feitas com produtos químicos facilmente obtidos, em laboratórios improvisados. O combate é, por isso, muito mais difícil. Para o diretor do Unodc, Giovanni Quaglia, o uso das drogas sintéticas hoje é uma questão de moda. "Assim como vimos, nos anos 1960, o crescimento do uso de LSD e heroína ligado ao movimento hippie, hoje há a cultura da música tecno, que incentiva o uso de drogas como o ecstasy", alerta Quaglia. "Essa situação preocupa, porque vai mudar o paradigma do combate às drogas. A prevenção vai ganhar uma importância muito maior do que a repressão", pondera ele.

"Nesta década, o maior problema que nós vamos vivenciar é a droga sintética. Principalmente o ecstasy", observa o delegado Ivaney Cayres, do Departamento de Narcóticos de São Paulo. As últimas prisões de traficantes são um forte indicador da presença das drogas sintéticas e, ao mesmo tempo, revelam um novo perfil do tráfico: jovens universitários, de classe média e alta, compõem o novo mapa do crime. O rosto do usuário também vai sendo perfilado: boa escolaridade, inserido no mercado de trabalho e pertencente às classes sociais mais privilegiadas.

O ecstasy é uma droga estimulante e alucinógena. Segundo o professor Ronaldo Laranjeira, da Universidade Paulista (Unifesp), "ela foi sintetizada para ser um novo moderador de apetite, mas foi descartada pelo laboratório químico que a produziu porque era muito tóxica. Ficou na prateleira por várias décadas e foi redescoberta na década de 1970 para ser a droga do amor. Depois se transformou na droga mais usada em discotecas". O ecstasy desencadeia transtornos psiquiátricos como síndrome do pânico e depressão. Costuma vir acompanhado de taquicardia e aumento da temperatura do corpo e tem sido a causa de inúmeras mortes. Segundo Ronaldo Laranjeira, "o grande problema do ecstasy é o dano cerebral que a droga produz, principalmente nos neurônios responsáveis pelo prazer".

Agora, aqui, na Espanha, e aí, no Brasil, uma nova droga destruidora ameaça a juventude: a cápsula do vento. Trata-se de um pó branco, de aparência comum, mas demolidor. É um derivado da anfetamina e tem propriedades alucinógenas. Seus efeitos podem durar horas. Existem relatos de pessoas que ficaram até uma semana sob o efeito alucinógeno dessa substância. O usuário pode ter alterações cardíacas, convulsões, fortes alucinações e morte.

O cardápio macabro das baladas, infelizmente, tem sempre novidades. Segundo o psicólogo Murilo Battisti, duas novas drogas foram introduzidas no menu das raves: a ketamina e o GHB. A ketamina, também conhecida por cetamina, ou special K, é um anestésico usado em cirurgias e animais. É um "parente químico" do ácido lisérgico, o LSD. "Um dos principais efeitos que provoca é o desprendimento corporal, o sujeito consegue se dissociar do corpo. O uso freqüente da droga pode causar danos na atenção, na memória, no estômago, coração e fígado", alerta o psicólogo. O GHB, também chamado de ecstasy líquido, não tem cheiro nem gosto. É perigosíssimo, principalmente quando misturado com álcool. Ambos - GHB e álcool - diminuem muito a atividade do cérebro. Associados, o efeito é ainda maior. O GHB é uma droga fortemente depressora. Pode levar ao coma e induzir ao suicídio.

Como vê, caro leitor, a escalada das drogas é um fato assustador. Enfrentá-la só é possível com informação, prevenção e recuperação. Meu objetivo, neste artigo, é ajudá-lo a dar os dois primeiros passos: conhecer o que se passa no ambiente rarefeito de inúmeras discotecas e raves e entender as características devastadoras das novas drogas sintéticas. Só assim, com informação clara e sem eufemismos, você poderá captar eventuais mudanças comportamentais e dar uma orientação segura aos seus filhos. A família, um espaço de carinho, diálogo e firmeza, exige presença do pai e da mãe. Ela é, de fato, o pré-requisito da prevenção. Quando a família fracassa, as políticas antidrogas acabam se transformando no cemitério de boas intenções.

O terceiro passo, a recuperação, é uma indeclinável responsabilidade dos governos. É preciso que os governantes ajudem para valer os serviços especializados e as instituições idôneas que, anonimamente e com grande sacrifício, investem na recuperação de dependentes químicos. Trata-se de um problema de saúde pública. Recuperar é salvar vidas e multiplicar aliados na luta contra as drogas. Um dependente recuperado é o melhor prosélito das campanhas preventivas. Impõe-se que os responsáveis pelo combate às drogas abandonem o conforto de seus gabinetes e entrem em contato com o verdadeiro drama dos adictos. Eu fiz isso. Não considero correto escrever e opinar a respeito de uma realidade distante: conversei com especialistas, ouvi relatos de dependentes químicos, visitei comunidades terapêuticas que apresentam elevados índices de recuperação, desenvolvi, enfim, um trabalho de reportagem.

Espero que o governo faça a sua parte. Segundo me consta, o Congresso Nacional está decidido a arregaçar as mangas e entrar num autêntico mutirão em prol dos que lutam pela recuperação. A iniciativa, se confirmada, merece os aplausos da sociedade. A dependência química não admite politicagem. Reclama, sim, seriedade e realismo.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br