Título: Informatizar o caos?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Notas & Informações, p. A3

Na greve dos serventuários da Justiça de São Paulo, no ano passado, o que mais espantou não foi a longa duração da paralisação dos serviços judiciários - 91 dias -, mas a revelação de que não eram poucos os funcionários que faziam seu trabalho, rotineiramente, usando computadores que haviam comprado com seus próprios recursos. Há dias, durante a realização do I Fórum Tecnologia, Gestão e Inovação da Justiça, pôde-se quantificar as causas de tão absurda situação, em que alguma melhoria do serviço judicial depende da boa vontade do funcionário que se disponha a tirar dinheiro do próprio bolso para comprar um computador e usá-lo, não como ferramenta de aprimoramento intelectual e de laser de sua família, mas como ferramenta de trabalho.

Essa aberração ocorre porque os tribunais brasileiros gastam apenas 0,028% de seus orçamentos em informatização. E o que gastam, gastam mal.

Segundo estudo feito pela juíza Elizabeth Leão, presidente do Instituto Nacional da Qualidade Judiciária, este ano os tribunais têm um orçamento total de R$ 16,7 bilhões, dos quais apenas R$ 489,5 milhões estão empenhados na compra de equipamentos e sistemas de informatização. Para que os serviços adquirissem uma feição moderna, seria necessário aplicar 8% do orçamento da Justiça em tecnologias modernas.

Em pleno século 21, a maior parte das rotinas processuais é feita artesanalmente, como mostra a pesquisa. Os serviços de protocolo e distribuição, ou seja, a porta de entrada do sistema judicial, estão informatizados em 64% e 60%, respectivamente. Contadoria, cartórios e gabinetes de juízes caem para 44%; as centrais de mandados, para 36%; e a execução penal, para constrangedores 20%.

Mas esses números, apenas, não retratam fielmente o atraso tecnológico da Justiça. Também é ilusório o fato de 30% dos tribunais terem computadores e servidores com, no máximo, dois anos de uso, não havendo corte com equipamentos que ultrapassem os quatro anos de idade. As máquinas, em geral, são modernas, mas a sua utilidade é seriamente limitada pelos programas em uso. Em alguns Estados, o sistema de informática usado na primeira instância não se comunica com o sistema da segunda instância. E esse problema não se resolve só com a compra de mais computadores. Na verdade, como observou o sociólogo Renato Sérgio de Lima, isso seria informatizar o caos. Nenhum sistema de rede tem menos de dois anos de uso; apenas 5% têm de dois a cinco anos; 55% têm entre 5 e 10 anos; e 40% são usados há mais de 10 anos. Assim, a esmagadora maioria dos computadores da Justiça não tem interação com a internet. Além disso, os tribunais não treinam seus funcionários para operar as redes de informática.

Complica a situação o excesso de firulas burocráticas. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, adota 1.084 critérios diferentes para classificar os recursos que recebe. O resultado, como salientou a cientista política Luciana Gross Cunha, num seminário patrocinado pela Associação dos Advogados de São Paulo, é que o Tribunal de Justiça não sabe quais são os tipos de recursos mais comuns, nem quem mais recorre àquela instância - se o poder público ou se os agentes privados. No mesmo encontro, Pierpaolo Bottini, da Secretaria da Reforma do Judiciário, observou que a Bahia ocupa a terceira posição em gastos com a informatização da Justiça, que, no entanto, tem uma produtividade baixa.

Tudo isso ocorre, em boa medida, porque os juízes, exageradamente ciosos da autonomia do Judiciário, geralmente insistem em ser os administradores dos tribunais, tarefa para a qual não estão preparados. Os tribunais não se comunicam entre si, pela via instantânea do computador, porque não são capazes de se pôr de acordo a respeito da adoção de um único sistema de software ou, pelo menos, de sistemas compatíveis entre si.

A reforma do Judiciário, aprovada após 13 anos de tramitação no Congresso, e a projetada reforma dos códigos processuais são medidas necessárias para a agilização da Justiça. Mas não serão suficientes, nesse quadro de atraso tecnológico. A própria reforma processual encontra obstáculos, como notou o secretário da Reforma Judiciária do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, porque não existem informações confiáveis para a formulação de políticas públicas para o Judiciário.