Título: Um competidor limpo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Notas & informações, p. A3

O Brasil está limpo de subsídios agrícolas proibidos e tem competido lealmente para conquistar espaço no mercado internacional, segundo estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais industrializadas. A conclusão desse trabalho, iniciado em setembro de 2003, propicia ao governo brasileiro mais uma arma para combater o protecionismo do mundo rico e defender o produtor nacional. Ao mesmo tempo que a OCDE divulgou seu estudo, o governo brasileiro entregou à Organização Mundial do Comércio (OMC) um relatório próprio, que também mostra que a ajuda oficial à agricultura é minúscula e fica muito abaixo dos limites acordados internacionalmente.

Pronto para competir e sem distorções políticas para eliminar, o Brasil seria um dos principais beneficiários de uma liberalização do comércio agrícola internacional. Se as tarifas e subsídios fossem reduzidos à metade, globalmente, o Brasil teria um ganho anual de US$ 1,7 bilhão em seu comércio externo, segundo a OCDE.

Diante do avanço do agronegócio brasileiro, os principais competidores no mercado global acusaram o Brasil de subsidiar sua produção ou, no mínimo, insinuaram que poderia haver subvenções importantes. Houve, nos Estados Unidos, pelo menos uma tentativa de se iniciar uma investigação oficial sobre subsídios à produção brasileira de soja. Na Europa, a existência de subsídio tem sido alegada há algum tempo para justificar barreiras à importação de açúcar do Brasil.

Esse mesmo argumento, a propósito, tem sido empregado repetidamente por produtores e autoridades da Argentina. O maior parceiro do Brasil no Mercosul continua a barrar a entrada de açúcar brasileiro com uma justificativa que mais uma vez se verifica ser falsa.

Os países mais desenvolvidos têm concedido subvenções correspondentes a 30% ou mais do valor de sua produção agrícola. No Brasil, essa proporção não tem ultrapassado 3%, segundo os números apresentados pela OCDE.

Esses dados confirmam a solidez das posições brasileiras tanto nos processos movidos na OMC quanto nas discussões de acordos comerciais. Em dois grandes processos já concluídos, o Brasil conseguiu decisões contrárias aos subsídios concedidos nos Estados Unidos ao algodão e na União Européia ao açúcar. Nos dois casos, foi reconhecido que as políticas americana e européia distorcem o comércio e violam os acordos da Rodada Uruguai, concluídos em 1994.

Com base em argumentos da mesma natureza, os diplomatas brasileiros têm defendido, nas discussões da Rodada Doha de negociações comerciais, uma ampla mudança de regras para os mercados de produtos agropecuários. A reforma da Política Agrícola Comum da União Européia deve proporcionar alguma liberalização, mas insuficiente para tornar o mercado substancialmente mais livre e mais compatível com o ideal da livre concorrência.

O reconhecimento do Brasil como um competidor limpo, pela OCDE, é um ativo político e moral importante, que a diplomacia brasileira poderá usar em todas as frentes de negociação comercial. É preciso não desperdiçar esse ativo, cedendo à tentação do protecionismo para certos segmentos da agricultura nacional. Partiu do Ministério do Desenvolvimento Agrário, recentemente, a idéia de que o Brasil procure, nas negociações de comércio, manter uma proteção especial para culturas familiares. É uma proposta inoportuna, como quase todas que têm partido dessa área do governo. Já se provou, no Brasil, que também o pequeno produtor pode ser altamente competitivo, se for capaz de se integrar no agronegócio. Os negociadores brasileiros cometerão um erro enorme, se se deixarem contaminar pela incompetência dos exploradores da miséria.

O relatório da OCDE contém, além de uma avaliação positiva da competitividade brasileira, algumas advertências que vale a pena levar em conta. O documento chama a atenção para a destruição florestal, para os gargalos da infra-estrutura e para a permanência de grandes bolsões de pobreza. Nenhuma dessas questões é nova, mas a lembrança é oportuna.