Título: Reunião da OEA inicia com impasse
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Internacional, p. A8

A 35.º Assembléia-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) começou ontem cercada por um forte dispositivo de segurança e travada por um impasse entre os Estados Unidos, de um lado, e os países da América do Sul e o México, de outro, sobre como tornar a organização mais atuante na defesa da democracia. Embora vários governos, entre eles o do Brasil, tenham-se mostrado dispostos a explorar maneiras que permitam à OEA responder de forma mais ágil e eficaz à crises institucionais nos estados membros, uma proposta americana para incluir no documento político da reunião - a Declaração da Flórida - a criação de um mecanismo de monitoramento e controle de qualidade das democracias da região foi prontamente rejeitada. Os opositores da idéia argumentaram que a medida seria intrusiva e inconsistente com os princípios da não ingerência e igualdade dos Estados, consagrados na carta da OEA.

"Trata-se de uma iniciativa claramente calculada para atingir um país - a Venezuela - e que abriria o caminho para estabelecer um sistema de julgamento, recompensas e punições segundo critérios que nenhum país do hemisfério está em condições de estabelecer", disse um fonte diplomática de um dos países que fizeram objeção à idéia.

O presidente George W. Bush defenderá hoje a proposta de Washington no discurso que fará à assembléia. Mas o presidente americano deverá usar a tribuna da OEA principalmente para fortalecer sua campanha pela ratificação do Acordo de Livre Comércio com a América Central e a República Dominicana (CAFTA), que entra esta semana numa fase decisiva no Congresso americano. A ratificação ainda enfrenta resistências da maioria republicana. E o ambiente político, dominado por um espantoso e crescente déficit comercial de mais de US$ 600 bilhões, é obviamente desfavorável a novos tratados de liberalização.

Ontem à tarde, antes da secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, e o novo secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, abrirem a assembléia, no Centro de Convenções de Forte Lauderdale, representantes dos governos da América do Sul e do México trabalhavam numa proposta alternativa, que pretendiam apresentar, depois, aos países da América Central e do Caribe.

"Estamos examinando o assunto", disse o chanceler Celso Amorim, que chefia a delegação brasileira ao encontro, que é o primeiro a realizar-se nos EUA em mais de trinta anos. "Queremos fortalecer a democracia na região, mas queremos também evitar mecanismos intrusivos." Ao tomar pose como secretário-geral, na semana passada, Insulza disse que a Carta Democrática adotada pela OEA permite que se busque formas de atuação mais efetivas do que a organização têm hoje mas que não sejam "invasivas". O governo da Bolívia, que enfrenta uma crise nacional aguda, informou na semana passada que dispensa a intervenção da OEA.

Ao chegar ontem a Fort Lauderdale, Rice disse que este é um momento crucial para a OEA e que a organização precisa de "um leque de mecanismos para lidar com crises que ameaçam subverter a democracia em toda a região". Numa entrevista ao jornal Miami Herald, ela defendeu a importância da participação dos grupos da sociedade civil dos países da região no monitoramento das democracias. No entanto, a secretária de Estado deixou passar a oportunidade de participar, ontem pela manhã, de uma reunião com vários desses grupos, que incluíam opositores e simpatizantes do presidente da Venezuela, Hugo Chávez e organizações críticas ao CAFTA.

Ontem, um editorial do jornal Washington Post exigiu a presença de tropas americanas no Haiti diante do fracasso da missão de estabilização liderada por tropas brasileiras. O Post critica diretamente o comandante brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Na mesma entrevista ao Miami Herald, Rice afirmou que o Brasil "está fazendo um trabalho muito bom", mas levantou a hipótese de reforço internacional.