Título: Calote muda rotina de rede varejista
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2005, Economia, p. B1

O aumento da inadimplência ocorrido nos últimos meses provocou mudanças na rotina de algumas redes varejistas. As Lojas Riachuelo, por exemplo, registraram em abril aumento de 4% dos financiamentos com atraso acima de 180 dias na comparação com março e 8% em relação ao mesmo mês de 2004. "Houve um soluço na inadimplência em abril", diz o diretor do Cartão de Crédito da rede, José Antonio Rodrigues. Ele conta que as praças mais afetadas pelo calote foram aquelas cuja atividade principal da região está ligada ao agronegócio, setor que enfrenta hoje queda na renda. Nesse rol, estão as lojas da rede localizadas em Santa Maria (RS), Goiânia (GO) e Dourados (MS), por exemplo. Para reverter a situação, o que já ocorreu em maio, a rede decidiu reduzir os limites de financiamento nas praças onde a inadimplência é mais crítica, reforçou a estrutura de cobrança e facilitou as renegociação das dívidas em atraso. Com isso, alongou de 6 para 10 vezes os prazos de pagamento dos financiamentos que foram renegociados e cortou a taxas de juros nesses casos.

As Lojas Cem também colocaram o pé no freio nos critérios de aprovação de crédito. "Agora vendemos a prazo sem entrada só para aqueles que já são clientes da loja", diz o supervisor geral da empresa Valdemir Colleone.

Ele conta que a perda dos financiamentos atrasados acima de 180 dias atingiu 4,5% dos créditos a receber em fevereiro e está sendo mantida nesse patamar elevado desde então. "A inadimplência vem subindo desde outubro. No fim do ano passado estava em 3,2%". A expectativa do executivo é a de que a situação se normalize até o fim do ano.

ENDIVIDAMENTO

Cada brasileiro devia em abril para o sistema financeiro e lojas R$ 721. Cifra 62% maior do que o endividamento médio de janeiro de 2003, que era de R$ 445. Se for levado em conta o endividamento total das pessoas físicas em relação à população ocupada, em abril ele estava em R$ 6.543, ante R$ 4.230 em janeiro de 2003. "O endividamento é pequeno no Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). O problema é que ele está crescendo rapidamente e concentrado nas camadas de menor renda e, portanto, mais sujeitas a perder o emprego quando há desaceleração da economia", afirma o assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), Fábio Pina.

Ele observa que o mais preocupante é a expansão acelerada do crédito sem crescimento proporcional da renda. Entre janeiro de 2003 e abril deste ano, o volume de crédito em relação a população ocupada aumentou 57%, a renda cresceu 12% e o emprego 6,2% no período. Se for levado em consideração o volume de crédito em relação à população ocupada descontado o aumento da renda, o acréscimo foi 40% no período. "Este crédito a mais no mercado não foi acompanhada pelo aumento da renda. Se tivesse garantia do crescimento da renda, me preocuparia menos com a tendência de alta dos índices de inadimplência", observa Pina. Ele efetuou os cálculos com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O economista lembra que o quadro se torna mais grave com a política de juros altos e com o fato de a taxa de crescimento do PIB ser menor do que o inicialmente previsto, conforme apontaram os dados do IBGE na semana passada. Pina observa que uma possível decisão dos agentes financiadores de reduzir o volume de crédito para se precaver do risco de inadimplência no cenário atual pode alimentar o calote. Existem muitos consumidores que buscaram, nos últimos meses, linha de crédito para cobrir dívidas de outros financiamentos. Com isso, uma abrupta restrição de recursos faria o juro subir ainda mais, realimentando a inadimplência.