Título: A reforma da ONU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2005, Notas & informações, p. A3

O G-4, grupo constituído pelo Brasil, Japão, Alemanha e Índia, decidiu apressar o processo de reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) e, no final do mês passado, apresentou à Assembléia Geral um projeto de resolução que amplia o Conselho de Segurança (CS), com a criação de seis cadeiras permanentes e quatro não permanentes. O secretário-geral Kofi Annan, quando há meses apresentou um amplo programa de reforma da ONU, pediu aos Estados membros que tomassem uma decisão a respeito do Conselho de Segurança até setembro. O G-4 quer antecipar o cronograma e a ordem dos debates. Quer, primeiro, discutir o controvertido problema da expansão do Conselho de Segurança - o que muitos países acreditam que poderá levar a reforma ao impasse, se não houver consenso sobre o CS - e que o debate não passe de junho, para que em julho a Assembléia Geral já tenha decidido sobre o modelo de ampliação. O G-4 precipitou a discussão do problema e, com isso, precipitou, também, as reações contra o chamado Modelo A, ou seja, a expansão do Conselho de Segurança pela criação de seis cadeiras permanentes, que seriam ocupadas pelo Brasil, Alemanha, Japão e Índia e dois países africanos.

O Grupo Unindo pelo Consenso, formado pela Itália, Argentina, México, Coréia do Sul, Paquistão e China, tem estado ativo, expondo as razões pelas quais não aceita o Modelo A. No mês passado, num encontro realizado na sede da ONU, o Grupo reuniu representantes de 119 países, dos 191 que compõem a ONU. Se esses 119 países votassem em bloco, derrotariam o projeto de resolução do G-4. Se for conseguida a adesão de mais 8 países e o bloco votar coeso, poderá aprovar o Modelo B, que prevê a expansão do Conselho de Segurança pela criação de cadeiras não permanentes.

Mas a manifestação do Grupo Unindo pelo Consenso não foi a mais importante. A China, um dos cinco países com poder de veto no Conselho de Segurança, anunciou da maneira mais enfática possível que não aceitará a aprovação do Modelo A. Se o projeto for ao Conselho de Segurança, a China o vetará; se for aprovado pela Assembléia Geral, o Congresso chinês não ratificará a mudança na Carta da ONU.

Antes de tornar pública sua posição, o governo de Pequim havia pedido aos outros membros permanentes do Conselho de Segurança que se abstivessem de apoiar publicamente a candidatura de qualquer postulante a um lugar permanente no Conselho de Segurança. E foi atendido. E, com isso, ficou explícito apenas o apoio dos Estados Unidos ao Japão, manifestado na mesma ocasião em que a Casa Branca fez reparos à candidatura da Alemanha.

Mais que apoios às candidaturas do G-4, há vetos cruzados. Os Estados Unidos rejeitam a candidatura da Alemanha e não se pronunciam sobre as do Brasil e da Índia. A Coréia do Sul se opõe ao Japão. O México se opõe ao Modelo A e o efeito prático dessa posição de princípio é que rejeita as candidaturas do G-4. A Argentina tem a mesma posição do México, mas é explícita na oposição à candidatura brasileira. O Paquistão não quer a Índia no Conselho de Segurança, permanentemente. E por aí vai.

Por fazer da obtenção de um lugar permanente no Conselho de Segurança a meta principal da política externa - sem considerar devidamente, primeiro, as dificuldades de aprovação de um projeto de reforma do Conselho de Segurança que amplie o número de membros permanentes, mesmo que sem direito a veto, e, depois, as disputas regionais e históricas que certamente se refletiriam no jogo de apoios e vetos às candidaturas -, o governo brasileiro foi atingido em cheio pela reação da China e do Grupo Unindo para o Consenso.

Ficou evidente, acima de qualquer dúvida, que as veleidades de liderança regional do Brasil não se traduzirão em votos na Assembléia Geral da ONU. México, Colômbia, Argentina e Uruguai são alguns dos países da região que não apoiarão o Brasil.

E a China, que o Itamaraty cortejou além do limite do razoável - concedendo-lhe extemporaneamente, por exemplo, o status de economia de mercado -, na esperança de constituir uma aliança estratégica da qual também faria parte a Índia, deu ao governo brasileiro uma lição que já deveria ser desnecessária: que nas relações internacionais o que prevalece são os interesses - no caso do Conselho de Segurança, o interesse da China é vetar a admissão do Japão - e, quando esses não são bem definidos ou não correspondem às reais possibilidades do país, o prejuízo é alto.